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quinta-feira, 27 de novembro de 2003

Acerca da honestidade intelectual das duas autoras deste blog 


Em consequência do post "Sistema de Comentários", que escrevi em 22 de Novembro de 2003, recebi ontem um comentário ao qual respondo nos comentários desse mesmo post. No entanto, e porque fiquei importunada com a situação, penso que é hora de escrever umas palavras em relação à minha honestidade intelectual e à honestidade intelectual da Assumida Mente.

Nem eu nem a Assumida Mente temos absolutamente nada a ver com o desaparecimento súbito dos comentários deste blog. O dito sistema deixou de funcionar, pura e simplesmente, sem qualquer motivo aparente. Perante este facto, ambas ficámos completamente desoladas, o que se agravou à medida que nos apercebemos que a situação não era meramente passageira. As diligências que tomei para solucionar a questão forma já explicadas em post anterior, pelo que não faz qualquer sentido reexpô-las aqui. Gostaria, no entanto, de apresentar aqui as razões que me levam a ainda não ter levado a cabo a tarefa a que me prôpus nesse mesmo post, caso a situação não se resolvesse, e que consiste em reescrever os comentários que "desapareceram", eu mesma, no novo sistema de comentários de que este blog dispõe. Essas razões são, essencialmente, duas.
1. Ainda mantenho a esperança na solução da situação e na reactivação do sistema de comentários (apesar de, entretanto, ter tido conhecimento de que a situação é comum a muitos blogs que, tal como o nosso, utilizavam o sistema de comentários do Blogger Brasil).
2. Por outro lado, não consigo identificar, nalguns casos, nem o post a que os comentários pertencem, nem o autor dos comentários. Como não quero reescrever apenas parte desses comentários mas a sua totalidade, porque penso que esta seria a única solução aceitável, este tornou-se o principal motivo pelo qual não levei tal tarefa adiante.
Assim sendo, apesar de esta situação desagradar às duas autoras deste blog e, até, constituir motivo de revolta para nós, pensamos que nos resta aguardar que o Blogger Brasil resolva a situação.
Foi, confesso, com algum espanto, que li o comentário a que me referi no início deste post. E isto porque nunca esperei estar sob a suspeita, por parte de um leitor deste blog, de desonestidade intelectual. Impõe-se, assim, dizer o que a seguir vai ser dito.

Desde que este blog existe, apaguei apenas um comentário (ainda que com alguma resistência inicial por parte da Assumida Mente, diga-se), que havia sido escrito por alguém que se identificava como "eu", que não disponibilizava o e-mail e que se dirigia de forma ofensiva a dois leitores deste blog, que haviam feito o comentário anterior ao seu, utilizando linguagem inapropriada e insultuosa. Fi-lo e voltaria a fazê-lo, porque este espaço não é um meio para que nos insultem, enquanto homossexuais. Não permitirei que ninguém o faça, nem agora nem nunca. Enquanto administradora do sistema de comentários deste blog, recuso-me, simplesmente, a permitir que seja quem for faça uso dele para nos atingir (a mim ou à Assumida Mente) pessoalmente ou enquanto homossexuais, aplicando o mesmo critério quando estejam em causa outras pessoas. O mesmo teria feito caso o comentário que apaguei contivesse insultos a qualquer leitor deste blog que não seja homossexual. Fi-lo porque me indignou que alguém tenha feito uso do o nosso blog como meio ofensivo em relação aos nossos leitores.
Quanto às opiniões discordantes das nossas, elas foram e cotinuarão a ser sempre, repito, sempre consideradas. Nunca apaguei nenhum comentário discordante do que escrevemos e jamais o farei, porque, como já afirmei anteriormente, os comentários enriquecem o blog, sejam no mesmo sentido das nossas ideias, sejam em sentido oposto.
Afirmei já que sem os vossos comentários, este blog ficaria infinitamente mais pobre. Dai que não possa ficar indiferente à suspeita de desonestidade intelectual de olhos que lêem este blog. À estupefacção seguiu-se a necessidade de clarificar as coisas. É essa a razão de ser post.

terça-feira, 25 de novembro de 2003

25 de Novembro: Dia Internacional Contra a Violência Contra (Todas) as Mulheres 


Assinala-se hoje o Dia Internacional Contra a Violência Contra as Mulheres. Neste caso, violência doméstica. Esta expressão quer eufemisticamente significar maus tratos, quer físicos quer psicológicos, dos quais é vítima um dos cônjuges de um casal.
Inexplicavelmente, estima-se que mensalmente morram cerca de 5 mulheres em consequência destes abusos. Estima-se porque, neste como em tantos outros assuntos, o silêncio impera. As vítimas que optam pela denúncia, sofrem bastas vezes represálias, sendo necessárias uma, duas, muitas tentativas até que finalmente se libertem do abusador. Entre as vítimas também se contam homens, mas em menor número, uma vez que conseguem mais facilmente fazer frente a uma agressora.
As associações em contacto com as vítimas, entre as quais se conta a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, alertam para o facto de os maus tratos se verificarem em casais provenientes de todos os estratos sociais, com diversas médias de idades, geograficamente dispersos por todo o país. O que não é referido, demonstrando que mais uma vez se tenta ignorar o que não pode ser ignorado, é que também há violência doméstica entre casais lgbt*. Talvez as denúncias sejam ainda em menor número, pois para além da humilhação que advém de serem vítimas de maus tratos, há que ter em conta que muit@s lgbt não querem revelar que o são, pelos motivos sobre os quais já sobejamente se escreveu aqui. Que me perdoem os homens, mas, neste post, vou deixar falar a minha "costela feminista" e pousar os olhos sobre a realidade que afecta algumas lésbicas portuguesas, especificamente.
As relações amorosas lésbicas que mantive sempre foram vividas num ambiente plácido, sem gritarias, choros, humilhações ou insultos. Findaram porque deixaram de fazer sentido, por iniciativa de uma ou de ambas as partes. A relação que mantenho com a Assumida Mente permanece nessa linha. É evidente que discutimos sobre muitos assuntos (que mais esperar de duas pessoas tão diferentes?), mas fazêmo-lo de forma calma e ponderada, e cada vez menos ao longo do tempo. A bem da verdade, não me recordo de quando foi a última vez que discutimos pelo que quer que fosse... Foi, por isso, com alguma perplexidade que ouvi o relato de uma amiga lésbica, a D., acerca de agressões físicas entre um casal de lésbicas que ela presenciou, se não me falha a memória, no Memorial. De acordo com a D., tratava-se de um casal butch/femme (sim, eu sei que estou a categorizar…), que namoravam há já algum tempo. A femme, no dizer da D., era uma mulher muito atraente, o que fazia com que fosse alvo de muitas investidas amorosas. A butch, não sei porquê (escusam de tentar justificá-la através do ciúme e da insegurança e de experiências passadas traumatizantes e mais não sei o quê porque é tempo que perdem...), desagradada com este tipo de assédio à sua namorada, tentava resolver a questão lançando-lhe (a ela!) olhares intimidativos. No entanto, a femme, embrenhada possivelmente numa conversa interessante, não se apercebeu da cólera que crescia no íntimo da sua companheira. Vendo que os olhares não eram o suficiente para desviar a atenção da namorada, a butch não tem mais: dirige-se ao balcão onde a femme e a outra mulher conversavam e desfere um murro no rosto da namorada. Não contente com a agressão, aplica-lhe mais alguns golpes até que as restantes clientes do bar, mantendo o sangue frio, a afastam dela.
Terminado o relato, disse à D. que só podia estar a brincar.
- Há lésbicas que agridem fisicamente as namoradas?
A D. sorriu e respondeu que sim, que há muitas lésbicas (apenas duas já seriam demasiadas) que pensam que as questões se resolvem a murro e a pontapé.
Fiquei estarrecida. Jamais me havia passado pela cabeça que fosse possível existir violência doméstica (ou seja, dentro da própria casa) entre lésbicas. Jamais me passara pela cabeça que numa relação lésbica existisse esse lado negro da subjugação, da anulação do próprio ser humano, da intimidação, da dor, do silêncio. Via as relações lésbicas pela minha bitola, e a minha experiência dizia-me que quem se ama como duas mulheres se amam não se agride. Sempre pensei que a tempestade estivesse do lado de fora da porta e nunca do lado de dentro. Sempre pensei que o inferno eram os outros. Afinal estava enganada.
Depois desta conversa com a D., penso nisto muitas vezes. Dou voltas e voltas a tentar descortinar um motivo, um único motivo que justifique a agressão física, um único motivo que justifique a agressão psicológica. Dou voltas e voltas e não chego a parte nenhuma. Não há, absolutamente, qualquer razão para que se tenha um comportamento violento com quem amamos. Ou então, não amamos. Não concebo essa possibilidade. Ponto final.
Mas o que mais me magoa nisto tudo, é a nódoa. Confesso. Tomar conhecimento da existência deste tipo de situações na comunidade lésbica fez com que passasse a ver em mim uma nódoa. Acreditava que as lésbicas estavam imunes. Afinal, não estão.
Não quero com isto dizer que pensava que só os homens é que são violentos e que a relação lésbica estava imune por nela não haver homens. Nada disso. A minha convicção era que um amor sublime, como é o amor entre duas mulheres, estava imune. Também não consigo perceber o que leva um homem ou uma mulher a baterem na mulher ou no marido. Não digo que o amor entre casais deste género seja menos verdadeiro do que o que existe entre duas mulheres. A questão (!) é que estou mais familiarizada com a violência entre os casais heterossexuais.
E, sendo assim, o que é que isto faz de mim?
Nos telejornais relata-se, aqui e além, um crime passional. Quantos deles não têm por detrás maus tratos psicológicos, pelo menos, quando não físicos, até? Carrego no botão e mudo de canal.
Numa ou noutra conversa ouço A contar que o marido de B lhe bateu e por isso ela não tem saído de casa. Respondo com um aceno de cabeça e mudamos de assunto.
No outro dia caiu-me em cima da secretária um processo em que um marido, recém operado ao coração, fora agredido pela mulher, supostamente por tê-la confrontado com uma relação adúltera com o patrão. Ela recordou-lhe que devido aos problemas cardíacos não podia ter relações sexuais com ela, o que a fez procurar outra pessoa. Chamou-lhe impotente, paneleiro, frouxo e um sem número de outros epítetos. O processo vinha acompanhado de fotografias do marido, bem ilustrativas das agressões, um pouco por todo o corpo. Um colega comentou que sempre preferia morrer de ataque cardíaco a fazer sexo do que a apanhar porrada da mulher. Rimos todos, porque o P. tem sempre muita graça...


E onde é que isto me leva?
Leva-me a concluir que nada faço para alterar esta situação. Sou mais uma peça na engrenagem de uma sociedade que diagnostica problemas mas não os resolve, que acha muito bem que existam associações como a APAV mas não as ajuda, que continua a manter o provérbio popular "entre marido e mulher, ninguém mete a colher!"... Sou mais uma peça na engrenagem, uma peça cheia de óleo, suja... repleta de nódoa...
Foi por isso que caí do cavalo quando a D. me relatou o que viu. E isto por dois motivos: primeiro, porque me apercebi que as lésbicas também eram vítimas de ataques de ciúmes doentios, de problemas psicológicos graves, de manipulações psicológicas, de demonstrações de poder dolorosas; segundo, porque me apercebi que nunca tinha dado a verdadeira importância à questão, mesmo quando pensava que só os heterossexuais viviam situações assim. Passei a ver uma nódoa enquanto lésbica, mas pouco depois percebi que essa nódoa aparecera em cima da nódoa que já tinha enquanto ser humano.
A violência doméstica existe entre as lésbicas. É um facto. A situação destas vítimas é ainda mais silenciosa do que a das vítimas heterossexuais. É urgente que esta problemática seja debatida, estudada, e que se encontrem soluções para estas mulheres. E nisso, penso que a tod@s cabe um papel, porque não podemos deixar que este seja mais um flagelo no seio da comunidade lgbt. Este post tem um claro objectivo: inquietar-vos/nos as consciências. Para que, se as vossas amigas vos falarem num caso semelhante, não sejam apanhadas de surpresa. Como eu fui.

* O banner que a APAV criou para assinalar a data de hoje diz o seguinte:
Cinco mulheres morrem todos os meses, vítimas de agressões dos seus maridos ou companheiros. A violência doméstica é crime público. Denunciar é a única forma de pará-los.
Não prevê, portanto, a existência de violência doméstica entre lésbicas.




Lembre-se que o silêncio não ajuda, que ele é, muitas vezes, cúmplice dos actos violentos.

Se presenciar, suspeitar, ou for vitima de alguma situação de desrespeito pelos direitos humanos, não hesite, contacte o gabinete de apoio à vitima mais perto de si, ou ligue o número único 707 20 00 77.

Serviços centrais de Sede
Rua do Comércio, 56 - 5º
1100 - 150 LISBOA


Extraído do site da APAV


domingo, 23 de novembro de 2003

Vagabundos de nós?! 


Andava há uns dois ou três dias às voltas com um contrato: punha vírgula, tirava vírgula, acrescentava cláusulas, mudava a redacção, mas o conjunto estava longe de satisfazer a minha costela assumida e exacerbadamente perfeccionista. Já desesperada com a falta de inspiração, decidi dar o braço a torcer e ir comprar a mais recorrente cábula dos advogados em início de carreira (e não só!): um Elucidário, repleto de minutas de contratos, procurações e requerimentos, cujas formalidades às vezes tantas dores de cabeça nos dão.
Porque o dinheiro é pouco e o Natal está a chegar, entrei na Fnac com o firme propósito de apenas comprar o dito Elucidário e fugir dali depressa, que os livros despertam em mim o que de mais consumista pode existir num ser humano. Por isso, se vos disser que tropecei no novo livro do Daniel Sampaio, podem acreditar que tropecei mesmo, literalmente, com direito a manobra de equilibrismo e tudo para não cair ali esparramadinha no meio de tão literário chão!... Conseguem imaginar a cena?

O Dr. Daniel Sampaio é, para mim, um autor de referência, desde os tempos de liceu. E isto ao ponto de ter, aqui no meu quarto, uma fotografia em que estamos lado a lado numa conferência que ajudei a organizar, já lá vão sete ou oito anos. Havia saído há pouco tempo o seu livro “Vozes e Ruídos” e, empenhados e dinamizadores como éramos, eu e um grupo de colegas, logo decidimos propor à escola uma conferência em torno da adolescência. Organizámos tudo e, no dia em que cá chegou aquele que é um dos mais famosos psiquiatras deste país (é claro que o Rui Fra(u)de não conta!), uma sala onde cabiam cerca de trezentas pessoas foi pequena demais para acolher quem até cá tinha vindo para o ouvir e com ele debater algumas ideias.
Antes da Conferência tive o privilégio de almoçar com o Dr. Daniel Sampaio e de perceber que, para além de um incontornável nome da psiquiatria e de um bom escritor, ao meu lado estava também um homem extremamente humano: suficientemente humilde para compreender que não possuía verdades absolutas, mas simultaneamente uma pessoa tão atenta, ambiciosa e interessada que não desistia de tentar, com os conhecimentos que a sua experiência profissional lhe ia oferecendo, contribuir para que a barreira que sempre se constrói entre adolescentes e adultos fosse o menos problemática e conflituosa possível.

Agora que penso nisso lembro-me como foram esses os dias em que estive mais próxima da minha mãe. Ofereci-lhe os livros todos do Daniel Sampaio e sorvemo-los de uma assentada. As duas ao mesmo tempo. E comentávamo-los, criticávamo-los, admirávamo-los… Razões profissionais levaram-nos a organizar várias iniciativas em conjunto e ainda me lembro de lhe ver o orgulho a bailar nos olhos quando, entre requerimentos para isto e reuniões para aquilo, alguém referia que eu era sua filha. Bons tempos…
Penso que foi pouco tempo depois que passei da fase “Lésbica? Estou mas é parva!” para a consciencialização de que era efectivamente lésbica… como era efectivamente branca… e tinha os olhos efectivamente castanhos ponto final. Como sabem, nunca o disse à minha mãe… Nem sei se preciso de lho dizer para que ela o descubra… Acredito que não… Acredito que sabe!... Mas talvez por isso, talvez porque nunca encontre as palavras, o momento e as atitudes certas para lho dizer, desde essa altura trago comigo a ideia de que tudo seria mais fácil se o Daniel Sampaio escrevesse um livro sobre homossexualidade, para que, juntas, pudéssemos comentá-lo, criticá-lo, admirá-lo… e reencontrarmo-nos!

E eis senão quando dou assim de caras com o livro por mim tão ansiado! Escusado será dizer que nem pensei que oito euros já dava para comprar um presentito de Natal… ou que oito euros são muitos minutos de conversa telefónica com a minha querida Mente Assumida… Escusado será dizer que peguei no livro, comprei-o, voei até casa (abençoado carrinho que chega aos duzentos sem se queixar muito!), disse olá à família, engoli o jantar, inventei uma indisposição qualquer e deitei-me a ler… Três horas depois tinha acabado de ler “Vagabundos de Nós”…

Não sei se já vos aconteceu admirarem alguém ao ponto de acreditarem que tudo o que aquela pessoa disser e fizer estará bem dito e bem feito, que tudo o que tiver o seu nome envolvido não terá nada que se lhe aponte e que, se preciso fosse, assinariam o seu trabalho de cruz sem sequer o ler… E não sei se já vos aconteceu depois descobrirem que essa pessoa também é humana, também erra e falha e que assinar de cruz é um risco que não podemos correr! Pois bem, senti isso há poucas horas atrás quando acabei de ler este livro!

O livro começa logo mal: o funeral de Diogo, o filho homossexual! Primeiro pensamento: “Daniel (peço desculpa, mas é impossível não tratarmos com esta proximidade as pessoas que admiramos quando imaginamos diálogos com elas!), matar o miúdo que é gay não será demasiado recorrente e, pior ainda, demasiado fácil?
Bem, era só o princípio, escrito por quem havia sido escrito o livro tinha que ser interessante! Avancei mais umas páginas. Luísa, a mãe de Diogo, recorda o seu filho agora perdido, os dias de gravidez, a infância do rapaz, a forma como, pouco a pouco, se foi apercebendo que o seu filho era diferente… e a forma como isso se foi transformando num drama avassalador.
Já o filho, também em discurso directo, vai relatando os seus medos e as suas angústias do longo caminho que percorre desde a constatação de que era diferente até à inserção na comunidade gay.
Avançava as páginas uma a uma. Compreendia o drama daquela mãe… Reconheço que me revi em muitos dos medos de Diogo… Mas ansiava, ao volver das páginas encontrar o momento em que Daniel Sampaio, como sempre fizera nos seus livros anteriores, apresentasse o lado positivo das situações, suscitasse, com as suas palavras uma reflexão sensata e desdramatizante … Corri as páginas… e não encontrei esse momento.
Luísa vivia frustrada com o marido, mal se refere ao segundo filho, apenas pensa em Diogo. Diogo é o seu filho super-protegido, aquele no qual projectou todos os seus sonhos… Como todos os pais o fazem (consciente ou inconscientemente)… Diogo não corresponde a esse arquétipo idealizado por Luísa (porque nunca, nenhum filho, por muito heterossexual que seja, corresponde)… E não corresponde única e simplesmente porque é gay!
Diogo é um filho atento à mãe, delicado e carinhoso, é também um bom aluno, estudioso e trabalhador… Seria um filho perfeito… Seria provavelmente o filho que mais atenção dava a Luísa, a pessoa que mais carinhosa era com ela… uma das poucas coisas que corria bem na sua vida familiar… E no entanto, todo o livro é construído como sendo Diogo o centro de todos os problemas e dramas desta mãe.
Nunca, neste livro se vê a mãe aceitar a homossexualidade do filho sem preconceitos e tabus… Sempre, até ao dia da sua morte… até no dia da sua morte, a homossexualidade de Diogo é um drama incontornável para Luísa!

Este livro é um bom livro, sem dúvida, se nele se quiserem retratar os medos e anseios que perpassam uma mãe que descobre que tem um filho homossexual… Porque, tal como a nós homossexuais, nos custou reconhecermo-nos e admitirmo-nos perante nós mesmos como tal (e quem disser que foi fácil não pode estar a ser verdadeiro!)… admito que, aos nossos pais, custará também lidar com essa realidade, aperceberem-se que os seus filhos são diferentes e que nunca trarão para jantar uma nora (se de homens estivermos a falar, claro está!), mas um genro! Admito que, numa primeira fase será difícil assimilar essa diferença, tentar descobrir o que dizer aos amigos, ficar a pensar o que dirão os outros!... Mas falta a este livro o salto!
Falta o salto para a fase seguinte, a fase da aceitação. A fase em que os pais compreendem que os filhos além de serem homossexuais são um outro conjunto maravilhoso de coisas. Falta, em “Vagabundos de Nós” o salto para além dos medos e dos dramas, o salto para o convívio diário com a homossexualidade, sem tabus ou falsas aceitações (que é o mesmo que dizer sem homofobias veladas!).

Diogo morre num desastre de automóvel. Porque é fácil matar a causa do drama, porque é mais confortável conviver com a homossexualidade quando ela é apenas uma memória… E eu pergunto-me: o que teria acontecido a Diogo e a sua mãe se este rapaz, que vivia agora uma relação estável, que estava integrado numa associação lgbt (como o dão a entender os panfletos sobre o “orgulho gay” que costumava oferecer à mãe), que acabava o seu curso de Sociologia, não tivesse sido morto assim pelo autor?
Continuaria a sua mãe a recordar o seu crescimento e a ver a homossexualidade do seu filho como o grande drama da sua vida, um segredo a guardar religiosamente de todos? Ou compreenderia ela, de uma vez por todas, que essa homossexualidade era só e apenas mais uma característica da pessoa fantástica que era o seu filho?....

Pois, bem sei qual queriam que fosse a resposta! Também a procurei… mas não está lá… No livro só está o drama, nada mais!
Não sei se Daniel Sampaio teve algum objectivo ao escrever este livro. Se o objectivo foi retratar aquilo por que passam os adolescentes homossexuais, então o livro poderá até ter alguma ponta de realismo… mas alguma, apenas, uma vez que, pelo que me tem sido dado observar, nesta coisa do “coming out” cada caso é um caso e não há grande espaço para generalizações.
Já se o objectivo foi ajudar pais e filhos no caminho a percorrer até à convivência harmoniosa com a homossexualidade, então o objectivo foi totalmente frustrado! Eu, por mim falo… Se acaso pensei até oferecer este livro à minha mãe, antes de o ler, agora que o li tal hipótese está totalmente posta de parte: se a mulher já tem tendência para dramatizar tudo o que passa dos parâmetros convencionais, só iria encontrar neste livro fortes argumentos para sentir, ainda mais, a homossexualidade como um drama, um mal que se lhe abateu sobre a cabeça e a vida!
Por fim, mesmo como mero exercício literário o livro não convence… pelo menos não a mim, que nunca gostei de dramas gratuitos e amargurados!

Ai, ai, ai… E ainda não foi desta que me curei desta falta de capacidade de síntese que me acompanha desde sempre... Peço desculpa a quem me lê, mas tinha mesmo que partilhar convosco a desilusão que foi este livro… Sinto hoje que perdi uma referência de sempre e, nesse sentido, hoje sim, sou um pouco vagabunda de mim!

A minha última esperança é que a publicação deste livro seja acompanhada de Conferências como aquela que há muitos anos atrás organizei e que delas transpareça, com rigor e sem medos, que na homossexualidade pode existir felicidade e realização para além do drama e das tempestades da primeira fase… que os homossexuais um dia também se encontram e deixam de ser vagabundos de si mesmos!

sábado, 22 de novembro de 2003

Sistema de comentários 


Farta de tentar descobrir o motivo pelo qual o sistema de comentários deste blog não funciona há já três dias, resolvi, de comum acordo com a Assumida Mente, inserir um novo sistema de comentários. Não apaguei o sistema de comentários antigo porque ainda tenho a esperança que o problema se resolva e ele volte a estar activo. Contactei o responsável pelo sistema de comentários em questão e também o Blogger. A ver vamos se e o que obterei como resposta...
Caso o sistema de comentários não possa ser reactivado, há uma única solução para recuperar todos os comentários que empenhadamente os nossos leitores foram deixando nos nossos posts: enquanto gestora dos comentários do nosso blog, tenho acesso a eles e poderei copiá-los e reescrevê-los. No entanto, isso acarreta alguns inconvenientes...
1. Os comentários não aparecerão com a data original em que foram editados, mas sim a data em que eu os reescrever.
2. Não é possível ter acesso à identidade dos autores dos comentários. Se bem que na maioria dos casos será, ainda assim, possível fazê-lo, noutros casos será de todo impossível. Por outro lado, gostaria de saber o que é que os nossos leitores pensam sobre esta possibilidade.
3. Se tiver de reescrever os comentários todos que foram sendo deixados no blog, terei uma trabalheira dos diabos...

Enfim... resta-me esperar e ver o que acontece. Admito que este assunto me tem preocupado. Este blog, sem os vossos comentários, ficaria infinitamente mais pobre...
Peço desculpa a todos e agradeço penhoradamente a vossa compreensão.

sexta-feira, 21 de novembro de 2003

Beijos... 


Não... por enquanto ainda não é um post sobre beijos, esse elemento tão fundamental de uma relação amorosa...
Por enquanto, é apenas mais um divertido teste, porque um beijo diz muito de nós...

E, pelos vistos, o meu beijo é "encantador"...

entrancing
You have an entrancing kiss: the kind that leaves
your partner bedazzled and maybe even feeling
he/she is dreaming. Quite effective; the kiss
that never lessens and always blows your
partner away like the first time.


What kind of kiss are you?
brought to you by Quizilla

Lamentável é o facto de as imagens serem todas (à excepção da do beijo dito "infantil" - child kiss - que retrata uma mulher e uma menina) de casais hetero...

quarta-feira, 19 de novembro de 2003

Um Natal diferente 


Há dias, recebi através da mailing-list do Clube Safo este e-mail, que foi enviado pela Marita Ferreira e que contém a descrição de uma iniciativa da Ana Zanatti. Resolvi transcrevê-lo aqui no blog para que todos os que nos lêem possam, desta forma, tomar conhecimento e participar activamente nela.

"Queridos amigos,

Depois de muitos natais a reflectir sobre o assunto, decidi dar início ao movimento "De um amigo para outro amigo", um sonho que para se tornar real depende da vossa adesão.

O verdadeiro espírito de Natal desvirtua-se ano após ano. A sociedade de consumo foi habilmente arquitectada para alimentar uma engrenagem poderosa e ilusoriamente suporte de bem-estar e felicidade.

Sobretudo no Natal, somos induzidos através dos media até à nossa caixa do correio, à compra de presentes, quantas vezes inúteis e supérfluos, que nenhuma felicidade vão levar a quem os damos. Dar presentes no Natal é uma tradição que seria interessante manter especialmente com as crianças, oferecendo-lhes qualquer coisa que lhes desenvolva a criatividade, a sensibilidade e lhes dá verdadeira alegria em vez de mais um das dezenas de brinquedos que as vejo desembrulhar e atirar para o monte dos que nunca irão ser usados. Quanto a nós, adultos, que temos a sorte de fazer parte do grupo dos que não esperam a caridade natalícia para resolver problemas de sobrevivência, o que damos ou recebemos de familiares e amigos, pouco ou nada acrescenta à nossa vida, nem é garante ou prova de maior amor ou amizade. Basta-nos um gesto simbólico, não acham?

Há, no entanto, muita gente que precisa, não só de provas de amor como de ajuda financeira para poder viver com mais dignidade e conforto. Gente para quem um presente de Natal colectivo, poderá significar um apoio decisivo na resolução de inúmeras carências.

São essas, quanto a mim, as pessoas para quem deveriam convergir os presentes da campanha "De um amigo para outro amigo" que se processará da seguinte forma:

1. Escolha anual de uma instituição que necessite e mereça apoio pela acção já desenvolvida.

2. Contactar a instituição a fim de saber qual a prioridade nesse ano para a angariação de fundos. Exemplos: Um elevador, cadeiras de rodas, uma ambulância, camas articuladas, montagem de novos espaços, obras em instalações etc..

3. Obter o NIB da conta bancária que a instituição abrirá para esse fim.

4. Contactar todos os amigos com quem habitualmente trocamos presentes no Natal, lembrando que temos um ano inteiro para demonstrar a nossa amizade e o dia do aniversário para trocarmos um presente. Assim, passaríamos daqui em diante a partilhar juntos a alegria de contribuir com o valor dos presentes de que abdicaríamos, para o bem de quem mais precisa.

5. Passar esta mensagem ao maior número de pessoas, por carta, fax, e-mail, telefone, etc.

6. Transferir o valor destinado à compra de presentes para os amigos que adiram ao movimento para a conta bancária da instituição.

7. Aguardar a informação fornecida pela instituição sobre os resultados finais da nossa acção que serás em princípio publicada na Internet no final do mês de Janeiro seguinte.

8. A minha proposta para o Natal de 2003 é a angariação de fundos para o equipamento das novas instalações da Associação Portuguesa dos Familiares e Amigos dos Doentes de Alzheimer (APFADA), que lhe foram cedidas pela Câmara Municipal de Lisboa há 3 anos e agora ampliadas. A APFADA acaba de receber da Câmara de Cascais, um terreno para construção de um centro de dia e Lar para o qual estão também a angariar fundos e todo o tipo de ajuda.

Já agora, informo que todos os anos a APFADA promove uma venda de Natal que este ano será na R. da Prata, 155/159 em Lisboa, a iniciar já a 17 de Novembro, com objectos oferecidos pelos amigos da Associação, desde livros que já não queiram, a bibelots, quadros, roupa, etc.."


NIB da APFADA - 003502590000025033008

Se algum de vós aderir a esta iniciativa ficarei muito, muito feliz. Será a prova de que este blog tem alguma actividade social.

Um abraço e obrigada.

terça-feira, 18 de novembro de 2003

Deuses gregos... 

E o meu resultado foi...
Morpheus
Morpheus


?? Which Of The Greek Gods Are You ??
brought to you by Quizilla

quinta-feira, 13 de novembro de 2003

Anedótico... ou talvez não! 


Desculpem, mas não posso deixar de partilhar este pequeno apontamento humorístico connvosco:

O Sr. A tinha uma ecografia marcada para hoje. Chegado ao Centro de Radiologia a médica informa-o de que, além da ecografia tem também que fazer um exame com uma sonda rectal. Perante tamanha notícia o Sr. A responde prontamente:

- Ai isso é que nem pensar! Uma coisa dessas só mesmo em último caso!!!! É que um exame desses até pode ter efeitos secundários psicológicos muito graves, não é?

... Esta dos "efeitos secundários psicológicos muito graves" é uma verdadeira pérola, não acham?...
... Eu pelo menos acharia... Não fosse o Sr. A ser meu pai e eu não tivesse que conviver diariamente com uma mentalidade destas... É que um convívio destes pode até ter "efeitos secundários psicológicos muito graves, não é?" §;-D

quarta-feira, 12 de novembro de 2003

Cunhal ou o porquê das causas. 


Ontem fez anos uma das figuras mais admiráveis da História recente do nosso país…

Bem sei o que dirão muitos… bem sei o que dirás, amor: que a persistência no erro não é minimamente louvável, que não se pode admirar uma pessoa que não se soube adaptar à evolução dos tempos, ou mesmo, in extremis, que é impossível admirar alguém que tenha tido como ideal de vida a instalação da ditadura em que o comunismo se traduzia…

Mas façamos um esforço de abstracção: esqueçamos que é comunista, esqueçamos tudo o que disse, esqueçamos tudo o que defendeu, esqueçamos tudo o que decidiu!... Restemo-nos apenas na paixão que imprimiu a essas ideias e atitudes! Observemos o empenho de uma vida, a coerência, a luta constante, determinada e nunca vacilante por uma causa!... Impossível não admirar!... Pelo menos eu não consigo deixar de admirar!

Confesso (mesmo sabendo que ao fazê-lo corro o sério risco de perder a minha namorada assumida e aguerridamente de direita) que ontem quando ouvia os inúmeros relatos sobre a vida de Cunhal me comovi até às lágrimas… Porque até às lágrimas me comovem as vidas assim, empenhadas, dedicadas, activas, lutadoras, em que cada novo acto é um passo na direcção daquilo que se deseja… Não sei explicar o porquê desta reacção… sei que nasci assim: sempre me deixei maravilhar pelas histórias de todos aqueles “Luther Kings” que, nas mais diversas áreas, lutaram até à morte por aquilo em que acreditaram, por aqueles que apaixonadamente se entregaram a uma causa e viveram em coerência com ela… por aqueles que, de uma forma ou de outra, tentaram fazer com que o mundo se tornasse num mundo melhor com a sua passagem por aqui…

Não consigo deixar de ouvir estas histórias e pensar como um dia gostaria que fizessem a sinopse da minha vida da mesma forma: como uma pessoa que se dedicou de corpo e alma a uma causa, como alguém empenhado e (já que estamos numa de suposições) bem sucedida nas suas lutas.

Aliás, não consigo conceber a vida de outro modo que não seja entregue a um ideal… Sempre me irritou a passividade. Aquela atitude: “não sei, por mim tudo bem”… “quero lá saber, os outros que façam!”… Tanto que cheguei ao ponto (numa daquelas fases do “Lésbica, eu?! Estou mas é parva!!”) de pensar em ser freira e viver a vida em missões em Angola (havia de ser lindo, havia!!!)… e dediquei-me à Amnistia Internacional… e a mais este grupo… e àquele… e àquele… sempre com a mesma garra, sempre com o mesmo empenho. Sentia-me realizada em todos eles e a cada um me entregava por inteiro. Compreendi, nessa altura, que nasci para ser activista, para dizer, protestar, reclamar e apoiar, defender, proclamar… até que os dias começaram a só ter vinte e quatro horas e a não darem para tudo… a não darem para nada…

Na altura achava que as grandes lutas tinham que ser lutas por causas visíveis, socialmente reconhecidas e valorizadas. Movia-me a “utopia” e só pararia quando a alcançasse… Se me dissessem, então que daí a poucos anos estaria fechada e feliz num escritório entre livros, processos e leis, cairia numa depressão profunda só de imaginar o tédio e o vazio de tal vida… Hoje, dentro das paredes do escritório, compreendo que as causas não têm que ser visíveis e que as lutas quotidianas são também elas louváveis e meritórias… Hoje compreendo que não há vidas fúteis, vazias ou inúteis quando são vividas, segundo a segundo, de modo empenhado… apaixonado…
Não concebo um dia, um único que seja, vivido com a apatia de quem vive dias que não são seus. Os dias são efectivamente nossos e fazemos deles o que muito bem entendermos. E mesmo que não gostemos do que estamos a fazer (o que não é o caso!) se debitarmos em todas essas obrigações do dia-a-dia a paixão e a dedicação que debitaríamos se fizéssemos aquilo que idealizámos, acabamos por necessariamente chegarmos ao fim de cada um desses dias infinitamente satisfeitas!

E é por isso que continuo a dedicar-me com a garra de sempre em todas as facetas da minha vida… E em todas me sinto realizada… Ou quase todas…

Confesso (e já vamos na terceira confissão… qual segredo de Fátima!) que me sinto um tanto ou quanto amputada por não poder participar activamente nesta nossa causa lgbt… Sei que não faria um trabalho melhor do que o que está a ser feito pelas nossas associações… sei que dificilmente levaria algo de novo para a comunidade… Mas este “bichinho do activismo” corrói-me por dentro, impele-me, tanto ou mais que todas as outras razões, a dar o nome, a cara… a vida, quem sabe… por esta causa… E, no entanto, mil e quinhentas outras razões, internas e externas mantém-me aqui… activista “em potência”… A comover-me do outro lado do écran com vidas corajosamente activas e empenhadas como a de Cunhal!


domingo, 9 de novembro de 2003

To seem or not to seem lesbian - is there a question? 


Não resisti… Era aquele o momento pelo qual esperara a vida toda, com o qual sempre sonhara… Não havia mais palavras a dizer, os argumentos caíam todos por terra, um a um, dobravam-se sob a força de um impulso que nunca antes experimentara… pelo menos não com aquela dimensão. Calavam-se as razões em mim, quebrava-se o gelo, esqueciam-se os medos e só existia aquele olhar, aquela voz que me sussurrava ao ouvido… e aquela sensação inefável a invadir-me o corpo…
Fechei os olhos e encostei os meus lábios no seu rosto macio, ali a milímetros da sua boca.
- Era mais ao lado, minha querida!
E o mundo parou no momento em que os nossos lábios se encontraram… Gostava de conseguir pintar com as palavras aquele instante-eternidade, falar-vos daqueles lábios doces, daquela língua fresca, daquela pele macia… das mãos que me cingiam as ancas… as costas… os braços… e faziam despertar, por onde passavam, sensações nunca antes experimentadas…

… Tinha 21 anos e vivia ali, naquelas quatro paredes que podiam ser em qualquer lugar do mundo, porque o mundo era só aquele momento, o meu primeiro beijo!
O primeiro beijo?! Como é que se vive até aos vinte e um anos sem nunca se ter beijado ninguém? Como é que se resiste?... Não estranhei o espanto da Mente Assumida. É verdade que nos conhecíamos há já algum tempo quando nos descobrimos. É verdade que já havíamos discutido quase todos os assuntos que há para discutir: política, religião, filosofia, música e toda a arte em geral… Faláramos também já da nossa vida passada, da nossa família, dos nossos amigos, dos grandes momentos que vivêramos… Ou melhor, falara-me ela… e eu, como sempre fizera até então, contara-lhe a novela por mim criada, para mero conforto social, de um amor impossível e distante com um rapaz que nunca ninguém conhecia porque, como é bom de ver, não existia!

Era mais fácil assim. Comecei a perceber que era diferente das pessoas que me rodeavam bem cedo. Logo no Ciclo, quando todas as miúdas escreviam bilhetinhos ao rapaz mais giro da turma, eu pensava na colega da sala ao lado, sonhava em me transformar na melhor amiga dela, ir a casa dela, passar a tarde com ela, ver filmes e comer pipocas com ela… Assim, somente e apenas, com toda a ingenuidade com que uma criança de onze anos pode pensar nestas coisas.
Mas o Ciclo logo deu lugar ao Liceu e (sei-o hoje, há distância, de mais de uma década) à minha primeira grande paixão. Era uma mulher fascinante… uma voz doce, um olhar meigo, um sorriso angelical a terminar num sinal pleno de charme… Não sei se me apaixonei por ela por causa da poesia ou se me apaixonei pela poesia por causa dela… Sei que, de repente, dei por mim a só pensar nas aulas de português, a só falar das aulas de português e da professora de português… a toda a gente… Inevitavelmente transformei-me na melhor aluna da disciplina… Inevitavelmente também colegas mais “sabidas”, não deixaram de comentar:
- Fogo, como tu falas dela parece que estás apaixonada por ela… Cá para mim és lésbica!
- Estás parva!!!... – repliquei.

A partir daí nunca mais falei da professora de português a ninguém… Nem quando, no ano seguinte, deixou de nos dar aulas, partilhei as lágrimas e a angústia que me invadiu… Também nunca falei a ninguém do amor que entretanto nasceu por uma nova colega de turma, que rapidamente se transformou na minha melhor amiga e que, ainda hoje, tantos anos volvidos, não sei se é ou não lésbica, porque nunca arrisquei perguntar-lho… Evitei até falar do modo como me fascinavam determinadas mulheres que, por uns momentos, passavam pela minha vida, nem que fosse por uma simples troca de palavras, um olhar ou um mero gesto… E quando alguém me perguntava por amores (pergunta inevitável, porque é rara a mente humana que consegue ceder a este seu impulso cor-de-rosa de invadir as paixões alheias!) respondia com uma história, onde convencionalmente entrava um moço casadoiro, cada vez mais aperfeiçoada, cada vez mais verosímil…

Era mais fácil assim. Para o mundo e para mim… Aquele “estás parva” não foi apenas a resposta à minha colega, mas foi sobretudo uma resposta interior. O meu corpo gritava-me “Tu gostas de mulheres” (sim, porque tal como a Rita ou a Sara – não consegui distinguir-lhes a voz, peço desculpa! – da Rede Ex-Aequo disseram na quarta-feira no "Maria, Maria", também eu me apercebi que gostava de mulheres muito antes de conhecer termos como “homossexualidade” ou “lesbianismo”) e eu não queria aceitar. Não queria ser diferente… Na verdade (pensava eu) eu não gostava de mulheres, gostava de pessoas… e daquelas pessoas especificamente… queria transformar-me na pessoa mais importante do seu mundo… mas só daquelas… Gostar de mulheres, eu?! Nem pensar!... Só podia estar parva!

Mas os anos passaram e tornou-se incontornável!... Sinceramente não sei dizer como é que foi… Não sei se foi algo de paulatino ou se um dia acordei e disse “ok, Assumida Mente, you got to face the fact: és lésbica ponto final!” Sei que, quando isso aconteceu, quando finalmente o assumi perante mim mesma, decidi também que nunca o daria a entender. É claro que precisava de alguém ao meu lado, é claro que precisava de amar, mas a dedicação aos amigos, aos estudos, à família iam-me ocupando o tempo e distraindo as ideias… em momentos de maior carência afectiva passava as noites lavada em lágrimas… em jeito de catarse… e no dia seguinte voltava para a vida sorridente e com o ar de quem é a pessoa mais feliz do mundo!

Sabia que era lésbica e não queria dá-lo a entender. Mas a peça que estava disposta a representar na minha vida não passava, de modo algum, por me entregar a alguém que não amasse. Não quero com isto dizer que fechei portas. De modo algum! Os rapazes vinham instalar-se na minha vida com alguma facilidade. Não era “maria-rapaz” nem nada do género, mas porque sempre gostei de criar pontes entre as pessoas e conhecê-las um pouco mais do que para além das banalidades do dia-a-dia, fui criando amizades, também com o sexo oposto… Algumas ainda hoje se mantém, graças a Deus!... Outras perdiam-se no momento em que se declaravam… Os amigos mais especiais, aqueles por quem nutria um carinho particular, transformavam-se em pessoas insuportáveis quando se apaixonavam, não tinha pachorra para aquela batida canção do bandido, para aquelas frases feitas… e, mais do que isso, há que dizê-lo, nunca me senti sexualmente atraída pela barba que se adivinhava, pela voz grossa, pelo corpo musculado… havia, indubitavelmente, em alguns desses homens, beleza (quanto mais não fosse a beleza que os amigos sempre conseguem ver nos amigos)… mas nada despertava cá dentro perante o seu apelo para que a amizade desse lugar a algo mais… e, por isso, mais do que fácil, foi inevitável que tivesse chegado aos vinte e um anos assim, sem nunca ter beijado ninguém.

Foi por tudo isto que o mundo que se abriu naquele beijo foi um mundo de dimensão infinita… Desde logo, porque infinito é este Amor que diariamente… hora a hora… segundo a segundo… aumenta a níveis que nunca pensei poderem existir… Mas também porque aquele beijo abriu a porta para um mundo cuja existência simplesmente desconhecia: a comunidade lésbica.
Isto dito pode até levar a pensar que a Mente Assumida passava a noite em bares lésbicos, ou que se encontrava em contacto com uma comunidade lésbica bem desenvolvida. Nada disso. Tal como acontecia comigo, a minha cara metade encontrava em mim a primeira mulher que falava de amor no feminino, mas ambas tínhamos curiosidade em conhecer mais, em saber onde estavam e como pensavam mulheres que amavam como nós.

Visitámos chats e sites, lemos alguns livros, vimos alguns filmes… através da mailing list do Clube Safo chegou-nos a notícia de um novo bar lésbico no Porto, o Piccadilly Pub, fomos até lá para ver como era e ate gostámos… Voltámos lá duas ou três vezes… Fomos ao Gemini's... E criámos este blog

Resume-se assim o contacto que tenho com a cultura lésbica. É muito pouco ainda, reconheço… Sei que, conhecendo tão pouco desta cultura não estou minimamente habilitada a falar da comunidade em geral! Por isso, não posso falar destes assuntos de outra forma que não na primeira pessoa.

E é na primeira pessoa, sem qualquer tipo de generalizações, que vos digo que uma das coisas que mais me admirou na cultura homossexual foram as catalogações que encontrei: “Butch”? “Femme”? “Clone”? Caramba, mas porquê estar a catalogar um mundo que é tão discriminado precisamente por causa de um catálogo?
Bem sei que perante tamanha diversidade lgbt se torna necessário ir definindo grupos e tendências, bem sei que a primeira distinção a fazer, pelo menos a mais fácil, é a da aparência e daquilo que, através dela, se pode adivinhar no comportamento das pessoas.

Analisados os conceitos, pela minha aparência, pela forma como sempre gostei de me vestir, penso que sou “femme”, mas sou-o porque gosto de me arranjar, gosto de gostar da imagem que o espelho me devolve, porque estou habituada a esta imagem e porque, mesmo de sapatilhas e calças de ganga gosto de ter um ar feminino… faço-o primeiro para me agradar a mim, depois obviamente para agradar à Mente Assumida, porque acredito que uma relação amorosa sólida é necessariamente uma conquista diária e, não vou negá-lo, gosto de me sentir o objecto de desejo daquele olhar libidinoso.
Admito a cataloguização feita nestes termos, mas rejeito qualquer consequência comportamental que dela se retire. Não me identifico minimamente com o termo “femme” se de comportamentos sexuais estivermos a falar… nem sequer com o de “butch”… ou talvez me identifique com ambos… não sei… sei que a sexualidade é o ponto máximo da nossa liberdade, onde não existe lugar para catálogos, imposições culturais, ideias feitas ou “modelos femininos ou masculinos”… sexualmente sei que sou lésbica e que sou uma mulher realizada… criativa… e sem tabus… umas vezes “femme”, outras “butch”, outras vezes ambas … conforme os dias e os apetites!

E é porque é assim, que me custa tanto compreender esta distinção. E é porque é assim que não vos sei dizer se gosto mais de mulheres “butch” ou “femme”. Gosto de mulheres-mulheres ponto final. Gosto de mulheres que transbordem feminilidade. E feminilidade aqui nada tem a ver com saltos altos ou camisas de homem: há mulheres de cabelos longuíssimos, vestidas de saia e salto alto, lindíssimas até, que, por tanto se submeterem ao jugo masculino, deixaram que a sua sensualidade feminina desse lugar a um comportamento de tal forma submisso que perderam o encanto; enquanto há mulheres de cabelo curto, calças de ganga e camisa de homem, que por toda a sua forma de ser e estar esbanjam essa feminilidade que tanto me atrai.

Rejeito totalmente que, porque somos lésbicas, nos tenhamos que adaptar a um “modelo” lésbico, um híbrido entre os modelos feminino e masculino que a sociedade heterossexual cultiva. Compreendo que haja pessoas que se sintam mais à vontade com um determinado estilo de roupa. Não tenho nada contra… Mas isso é uma questão de estilos e modas… nada tem a ver com o facto de sermos lésbicas ou não…

Descubro agora, pouco a pouco, a cultura lésbica e estou a gostar do que descubro, mas sinceramente, não acredito que ela passe por uma determinação de estilos e aparências… Ao fim e ao cabo, e estou certa de que, quanto a isso, todas concordarão comigo, quando se fecham os olhos e se sentem uns lábios doces, uma língua fresca, uma pele macia… as mãos que a cingirem-nos as ancas… as costas… os braços… e a fazerem despertar, por onde passam, sensações sempre renovadas… O que vestimos ou o que calçamos não tem importância nenhuma… não é verdade?


sábado, 8 de novembro de 2003

Assumidamente viciada! 


E de repente é outra vez Sábado… E de repente trouxe outra vez montes de papéis para casa…. E de repente o Sábado já chegou ao fim e ainda não fiz um quinto daquilo que me propus fazer… E de repente …
De repente o tempo voa! Mesmo longe de quem amo, mesmo não vivendo integralmente a vida que gostaria de poder levar (mas quem vive satisfeito?), mesmo ansiando por dias que um dia inevitavelmente chegarão… o tempo voa e enche de sentido o brocado: "esta vida são dois dias"!
Apesar disso… ou melhor, por isso mesmo, hoje não resisto em pousar por uns momentos os papéis, pôr de lado o trabalho e escrever umas linhas neste blog que, mais do que um passatempo se transformou já num vício!

Pois é, confesso que já se transformou numa rotina diária: chegar a casa, pousar a chave do carro, tirar o casaco, ligar o computador, cumprimentar a família enquanto o Windows inicia e a ligação se estabelece e visitar a blogosfera.

Tenho cá para comigo que este fenómeno dos blogs está a marcar um período da história, senão da humanidade, pelo menos da comunicação. É fascinante como, através dos blogs, passámos a poder conhecer tantas pessoas no seu íntimo… Sim, porque escrever é sempre um fenómeno intimista, nem que seja sobre política, ciência ou religião, nem que seja sobre actos públicos ou fenómenos de massas, a escrita, enquanto expressão de pensamentos, ideias, opiniões, tem sempre em si um cunho de pessoalidade, de intimidade (isto para quem, como eu, acredita que a mera forma como se escreve, para além das palavras e para além dos sentidos, diz já muito sobre quem escreve).
Através dos blogs podemos dizer tudo o que nos apetece, gritar sem tabus, sem regras ou convencionalismos, escrever sobre assuntos que nos são totalmente interditos para além do ecrã do computador e descobrir que há quem diga, escreva e pense exactamente como nós… e que há quem não dizendo, escrevendo ou pensando como nós tem também o seu ponto de vista e o direito a um espaço para o expressar… Podemos acompanhar o quotidiano e o pensamento de pessoas que nem sequer conhecemos, dos mais diferentes quadrantes culturais e geográficos, e saber o que pensam sobre a vida (em geral e em particular!), do que gostam, do que falam… e recalcitrar, clicar nos comentários e dizer que "não é assim não senhor, não tem razão nenhuma, por isto e por mais aquilo", ou "é assim sim senhor, muito bem, clap clap"!... E criam-se empatias, visitas diárias dão lugar a mais uma entrada nos favoritos, mais comentários… e (porque não dizê-lo?) amizades que se criam para além das faces, para além das vozes… amizades puramente platónicas, construídas somente de ideias, pensamentos e opiniões… nada mais do que isso… tudo isso!

E é porque gosto de ser fiel… nas amizades também (!) que, mesmo atulhada de trabalho, mesmo sem horas nos dias para as horas de trabalho que se impunham, não resisti, durante a semana, a vir dar um ou outro saltinho rápido à blogosfera para ir assistindo ao que por aqui se passava…

Passou-se muito, é claro, em muitos blogs… Nos que se dedicam ao tema central do nosso blog, foi interessante assistir às “provocações” da Anabela Rocha, que decidiu “queerizar” e pôr-nos a pensar “sobre formas específicas de apreciar uma mulher próprias das lésbicas”, para acabar a reflectir sobre as nossas relações “com a aparência tradicionalmente masculina e/ou feminina”. Foi interessante também assistir aos comentários que suscitaram tais provocações. É um tema naturalmente polémico e, consequentemente, incontornável… É por isso que, mesmo à distância de alguns dias, não resisto em retomá-lo… O que farei no post que se segue, já a seguir a um pequeno intervalo para compromissos laborais! :-)

segunda-feira, 3 de novembro de 2003

Desabafo 


Doem-me as costas, dói-me o pescoço, doem-me os braços, doem-me os olhos e dói-me a alma...
Chega neste momento ao fim um fim-de-semana que não gozei. Passei estas quarenta e oito horas a trabalhar e os papéis continuam empilhados no monte "por despachar".
Invade-me a angústia de saber que não vou conseguir cumprir os compromissos todos, nem que faça directa, nem que não durma uma semana seguida... E tenho tanto sono!
...
... E tantas saudades dos dias de Inverno passados debaixo dos lençóis, enroscadas uma na outra, com a televisão ligada e a chuva a cair lá fora!...

É a memória desses dias que me mantém acordada... Porque cada hora a mais de trabalho é um caminhar em direcção ao regresso desses domingos perfeitos!

Somos altos, baixos, magros, gordinhos, extrovertidos, introvertidos, religiosos, ateus, conservadores, liberais, ricos, pobres, famosos, comuns, brancos, negros... Só uma diferença : amamos pessoas do mesmo sexo. Campanha Digital contra o Preconceito a Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros. O Respeito ao Próximo em Primeiro Lugar. Copyright: v.


      
Marriage is love.


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