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domingo, 9 de novembro de 2003

To seem or not to seem lesbian - is there a question? 


Não resisti… Era aquele o momento pelo qual esperara a vida toda, com o qual sempre sonhara… Não havia mais palavras a dizer, os argumentos caíam todos por terra, um a um, dobravam-se sob a força de um impulso que nunca antes experimentara… pelo menos não com aquela dimensão. Calavam-se as razões em mim, quebrava-se o gelo, esqueciam-se os medos e só existia aquele olhar, aquela voz que me sussurrava ao ouvido… e aquela sensação inefável a invadir-me o corpo…
Fechei os olhos e encostei os meus lábios no seu rosto macio, ali a milímetros da sua boca.
- Era mais ao lado, minha querida!
E o mundo parou no momento em que os nossos lábios se encontraram… Gostava de conseguir pintar com as palavras aquele instante-eternidade, falar-vos daqueles lábios doces, daquela língua fresca, daquela pele macia… das mãos que me cingiam as ancas… as costas… os braços… e faziam despertar, por onde passavam, sensações nunca antes experimentadas…

… Tinha 21 anos e vivia ali, naquelas quatro paredes que podiam ser em qualquer lugar do mundo, porque o mundo era só aquele momento, o meu primeiro beijo!
O primeiro beijo?! Como é que se vive até aos vinte e um anos sem nunca se ter beijado ninguém? Como é que se resiste?... Não estranhei o espanto da Mente Assumida. É verdade que nos conhecíamos há já algum tempo quando nos descobrimos. É verdade que já havíamos discutido quase todos os assuntos que há para discutir: política, religião, filosofia, música e toda a arte em geral… Faláramos também já da nossa vida passada, da nossa família, dos nossos amigos, dos grandes momentos que vivêramos… Ou melhor, falara-me ela… e eu, como sempre fizera até então, contara-lhe a novela por mim criada, para mero conforto social, de um amor impossível e distante com um rapaz que nunca ninguém conhecia porque, como é bom de ver, não existia!

Era mais fácil assim. Comecei a perceber que era diferente das pessoas que me rodeavam bem cedo. Logo no Ciclo, quando todas as miúdas escreviam bilhetinhos ao rapaz mais giro da turma, eu pensava na colega da sala ao lado, sonhava em me transformar na melhor amiga dela, ir a casa dela, passar a tarde com ela, ver filmes e comer pipocas com ela… Assim, somente e apenas, com toda a ingenuidade com que uma criança de onze anos pode pensar nestas coisas.
Mas o Ciclo logo deu lugar ao Liceu e (sei-o hoje, há distância, de mais de uma década) à minha primeira grande paixão. Era uma mulher fascinante… uma voz doce, um olhar meigo, um sorriso angelical a terminar num sinal pleno de charme… Não sei se me apaixonei por ela por causa da poesia ou se me apaixonei pela poesia por causa dela… Sei que, de repente, dei por mim a só pensar nas aulas de português, a só falar das aulas de português e da professora de português… a toda a gente… Inevitavelmente transformei-me na melhor aluna da disciplina… Inevitavelmente também colegas mais “sabidas”, não deixaram de comentar:
- Fogo, como tu falas dela parece que estás apaixonada por ela… Cá para mim és lésbica!
- Estás parva!!!... – repliquei.

A partir daí nunca mais falei da professora de português a ninguém… Nem quando, no ano seguinte, deixou de nos dar aulas, partilhei as lágrimas e a angústia que me invadiu… Também nunca falei a ninguém do amor que entretanto nasceu por uma nova colega de turma, que rapidamente se transformou na minha melhor amiga e que, ainda hoje, tantos anos volvidos, não sei se é ou não lésbica, porque nunca arrisquei perguntar-lho… Evitei até falar do modo como me fascinavam determinadas mulheres que, por uns momentos, passavam pela minha vida, nem que fosse por uma simples troca de palavras, um olhar ou um mero gesto… E quando alguém me perguntava por amores (pergunta inevitável, porque é rara a mente humana que consegue ceder a este seu impulso cor-de-rosa de invadir as paixões alheias!) respondia com uma história, onde convencionalmente entrava um moço casadoiro, cada vez mais aperfeiçoada, cada vez mais verosímil…

Era mais fácil assim. Para o mundo e para mim… Aquele “estás parva” não foi apenas a resposta à minha colega, mas foi sobretudo uma resposta interior. O meu corpo gritava-me “Tu gostas de mulheres” (sim, porque tal como a Rita ou a Sara – não consegui distinguir-lhes a voz, peço desculpa! – da Rede Ex-Aequo disseram na quarta-feira no "Maria, Maria", também eu me apercebi que gostava de mulheres muito antes de conhecer termos como “homossexualidade” ou “lesbianismo”) e eu não queria aceitar. Não queria ser diferente… Na verdade (pensava eu) eu não gostava de mulheres, gostava de pessoas… e daquelas pessoas especificamente… queria transformar-me na pessoa mais importante do seu mundo… mas só daquelas… Gostar de mulheres, eu?! Nem pensar!... Só podia estar parva!

Mas os anos passaram e tornou-se incontornável!... Sinceramente não sei dizer como é que foi… Não sei se foi algo de paulatino ou se um dia acordei e disse “ok, Assumida Mente, you got to face the fact: és lésbica ponto final!” Sei que, quando isso aconteceu, quando finalmente o assumi perante mim mesma, decidi também que nunca o daria a entender. É claro que precisava de alguém ao meu lado, é claro que precisava de amar, mas a dedicação aos amigos, aos estudos, à família iam-me ocupando o tempo e distraindo as ideias… em momentos de maior carência afectiva passava as noites lavada em lágrimas… em jeito de catarse… e no dia seguinte voltava para a vida sorridente e com o ar de quem é a pessoa mais feliz do mundo!

Sabia que era lésbica e não queria dá-lo a entender. Mas a peça que estava disposta a representar na minha vida não passava, de modo algum, por me entregar a alguém que não amasse. Não quero com isto dizer que fechei portas. De modo algum! Os rapazes vinham instalar-se na minha vida com alguma facilidade. Não era “maria-rapaz” nem nada do género, mas porque sempre gostei de criar pontes entre as pessoas e conhecê-las um pouco mais do que para além das banalidades do dia-a-dia, fui criando amizades, também com o sexo oposto… Algumas ainda hoje se mantém, graças a Deus!... Outras perdiam-se no momento em que se declaravam… Os amigos mais especiais, aqueles por quem nutria um carinho particular, transformavam-se em pessoas insuportáveis quando se apaixonavam, não tinha pachorra para aquela batida canção do bandido, para aquelas frases feitas… e, mais do que isso, há que dizê-lo, nunca me senti sexualmente atraída pela barba que se adivinhava, pela voz grossa, pelo corpo musculado… havia, indubitavelmente, em alguns desses homens, beleza (quanto mais não fosse a beleza que os amigos sempre conseguem ver nos amigos)… mas nada despertava cá dentro perante o seu apelo para que a amizade desse lugar a algo mais… e, por isso, mais do que fácil, foi inevitável que tivesse chegado aos vinte e um anos assim, sem nunca ter beijado ninguém.

Foi por tudo isto que o mundo que se abriu naquele beijo foi um mundo de dimensão infinita… Desde logo, porque infinito é este Amor que diariamente… hora a hora… segundo a segundo… aumenta a níveis que nunca pensei poderem existir… Mas também porque aquele beijo abriu a porta para um mundo cuja existência simplesmente desconhecia: a comunidade lésbica.
Isto dito pode até levar a pensar que a Mente Assumida passava a noite em bares lésbicos, ou que se encontrava em contacto com uma comunidade lésbica bem desenvolvida. Nada disso. Tal como acontecia comigo, a minha cara metade encontrava em mim a primeira mulher que falava de amor no feminino, mas ambas tínhamos curiosidade em conhecer mais, em saber onde estavam e como pensavam mulheres que amavam como nós.

Visitámos chats e sites, lemos alguns livros, vimos alguns filmes… através da mailing list do Clube Safo chegou-nos a notícia de um novo bar lésbico no Porto, o Piccadilly Pub, fomos até lá para ver como era e ate gostámos… Voltámos lá duas ou três vezes… Fomos ao Gemini's... E criámos este blog

Resume-se assim o contacto que tenho com a cultura lésbica. É muito pouco ainda, reconheço… Sei que, conhecendo tão pouco desta cultura não estou minimamente habilitada a falar da comunidade em geral! Por isso, não posso falar destes assuntos de outra forma que não na primeira pessoa.

E é na primeira pessoa, sem qualquer tipo de generalizações, que vos digo que uma das coisas que mais me admirou na cultura homossexual foram as catalogações que encontrei: “Butch”? “Femme”? “Clone”? Caramba, mas porquê estar a catalogar um mundo que é tão discriminado precisamente por causa de um catálogo?
Bem sei que perante tamanha diversidade lgbt se torna necessário ir definindo grupos e tendências, bem sei que a primeira distinção a fazer, pelo menos a mais fácil, é a da aparência e daquilo que, através dela, se pode adivinhar no comportamento das pessoas.

Analisados os conceitos, pela minha aparência, pela forma como sempre gostei de me vestir, penso que sou “femme”, mas sou-o porque gosto de me arranjar, gosto de gostar da imagem que o espelho me devolve, porque estou habituada a esta imagem e porque, mesmo de sapatilhas e calças de ganga gosto de ter um ar feminino… faço-o primeiro para me agradar a mim, depois obviamente para agradar à Mente Assumida, porque acredito que uma relação amorosa sólida é necessariamente uma conquista diária e, não vou negá-lo, gosto de me sentir o objecto de desejo daquele olhar libidinoso.
Admito a cataloguização feita nestes termos, mas rejeito qualquer consequência comportamental que dela se retire. Não me identifico minimamente com o termo “femme” se de comportamentos sexuais estivermos a falar… nem sequer com o de “butch”… ou talvez me identifique com ambos… não sei… sei que a sexualidade é o ponto máximo da nossa liberdade, onde não existe lugar para catálogos, imposições culturais, ideias feitas ou “modelos femininos ou masculinos”… sexualmente sei que sou lésbica e que sou uma mulher realizada… criativa… e sem tabus… umas vezes “femme”, outras “butch”, outras vezes ambas … conforme os dias e os apetites!

E é porque é assim, que me custa tanto compreender esta distinção. E é porque é assim que não vos sei dizer se gosto mais de mulheres “butch” ou “femme”. Gosto de mulheres-mulheres ponto final. Gosto de mulheres que transbordem feminilidade. E feminilidade aqui nada tem a ver com saltos altos ou camisas de homem: há mulheres de cabelos longuíssimos, vestidas de saia e salto alto, lindíssimas até, que, por tanto se submeterem ao jugo masculino, deixaram que a sua sensualidade feminina desse lugar a um comportamento de tal forma submisso que perderam o encanto; enquanto há mulheres de cabelo curto, calças de ganga e camisa de homem, que por toda a sua forma de ser e estar esbanjam essa feminilidade que tanto me atrai.

Rejeito totalmente que, porque somos lésbicas, nos tenhamos que adaptar a um “modelo” lésbico, um híbrido entre os modelos feminino e masculino que a sociedade heterossexual cultiva. Compreendo que haja pessoas que se sintam mais à vontade com um determinado estilo de roupa. Não tenho nada contra… Mas isso é uma questão de estilos e modas… nada tem a ver com o facto de sermos lésbicas ou não…

Descubro agora, pouco a pouco, a cultura lésbica e estou a gostar do que descubro, mas sinceramente, não acredito que ela passe por uma determinação de estilos e aparências… Ao fim e ao cabo, e estou certa de que, quanto a isso, todas concordarão comigo, quando se fecham os olhos e se sentem uns lábios doces, uma língua fresca, uma pele macia… as mãos que a cingirem-nos as ancas… as costas… os braços… e a fazerem despertar, por onde passam, sensações sempre renovadas… O que vestimos ou o que calçamos não tem importância nenhuma… não é verdade?


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