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terça-feira, 25 de novembro de 2003

25 de Novembro: Dia Internacional Contra a Violência Contra (Todas) as Mulheres 


Assinala-se hoje o Dia Internacional Contra a Violência Contra as Mulheres. Neste caso, violência doméstica. Esta expressão quer eufemisticamente significar maus tratos, quer físicos quer psicológicos, dos quais é vítima um dos cônjuges de um casal.
Inexplicavelmente, estima-se que mensalmente morram cerca de 5 mulheres em consequência destes abusos. Estima-se porque, neste como em tantos outros assuntos, o silêncio impera. As vítimas que optam pela denúncia, sofrem bastas vezes represálias, sendo necessárias uma, duas, muitas tentativas até que finalmente se libertem do abusador. Entre as vítimas também se contam homens, mas em menor número, uma vez que conseguem mais facilmente fazer frente a uma agressora.
As associações em contacto com as vítimas, entre as quais se conta a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, alertam para o facto de os maus tratos se verificarem em casais provenientes de todos os estratos sociais, com diversas médias de idades, geograficamente dispersos por todo o país. O que não é referido, demonstrando que mais uma vez se tenta ignorar o que não pode ser ignorado, é que também há violência doméstica entre casais lgbt*. Talvez as denúncias sejam ainda em menor número, pois para além da humilhação que advém de serem vítimas de maus tratos, há que ter em conta que muit@s lgbt não querem revelar que o são, pelos motivos sobre os quais já sobejamente se escreveu aqui. Que me perdoem os homens, mas, neste post, vou deixar falar a minha "costela feminista" e pousar os olhos sobre a realidade que afecta algumas lésbicas portuguesas, especificamente.
As relações amorosas lésbicas que mantive sempre foram vividas num ambiente plácido, sem gritarias, choros, humilhações ou insultos. Findaram porque deixaram de fazer sentido, por iniciativa de uma ou de ambas as partes. A relação que mantenho com a Assumida Mente permanece nessa linha. É evidente que discutimos sobre muitos assuntos (que mais esperar de duas pessoas tão diferentes?), mas fazêmo-lo de forma calma e ponderada, e cada vez menos ao longo do tempo. A bem da verdade, não me recordo de quando foi a última vez que discutimos pelo que quer que fosse... Foi, por isso, com alguma perplexidade que ouvi o relato de uma amiga lésbica, a D., acerca de agressões físicas entre um casal de lésbicas que ela presenciou, se não me falha a memória, no Memorial. De acordo com a D., tratava-se de um casal butch/femme (sim, eu sei que estou a categorizar…), que namoravam há já algum tempo. A femme, no dizer da D., era uma mulher muito atraente, o que fazia com que fosse alvo de muitas investidas amorosas. A butch, não sei porquê (escusam de tentar justificá-la através do ciúme e da insegurança e de experiências passadas traumatizantes e mais não sei o quê porque é tempo que perdem...), desagradada com este tipo de assédio à sua namorada, tentava resolver a questão lançando-lhe (a ela!) olhares intimidativos. No entanto, a femme, embrenhada possivelmente numa conversa interessante, não se apercebeu da cólera que crescia no íntimo da sua companheira. Vendo que os olhares não eram o suficiente para desviar a atenção da namorada, a butch não tem mais: dirige-se ao balcão onde a femme e a outra mulher conversavam e desfere um murro no rosto da namorada. Não contente com a agressão, aplica-lhe mais alguns golpes até que as restantes clientes do bar, mantendo o sangue frio, a afastam dela.
Terminado o relato, disse à D. que só podia estar a brincar.
- Há lésbicas que agridem fisicamente as namoradas?
A D. sorriu e respondeu que sim, que há muitas lésbicas (apenas duas já seriam demasiadas) que pensam que as questões se resolvem a murro e a pontapé.
Fiquei estarrecida. Jamais me havia passado pela cabeça que fosse possível existir violência doméstica (ou seja, dentro da própria casa) entre lésbicas. Jamais me passara pela cabeça que numa relação lésbica existisse esse lado negro da subjugação, da anulação do próprio ser humano, da intimidação, da dor, do silêncio. Via as relações lésbicas pela minha bitola, e a minha experiência dizia-me que quem se ama como duas mulheres se amam não se agride. Sempre pensei que a tempestade estivesse do lado de fora da porta e nunca do lado de dentro. Sempre pensei que o inferno eram os outros. Afinal estava enganada.
Depois desta conversa com a D., penso nisto muitas vezes. Dou voltas e voltas a tentar descortinar um motivo, um único motivo que justifique a agressão física, um único motivo que justifique a agressão psicológica. Dou voltas e voltas e não chego a parte nenhuma. Não há, absolutamente, qualquer razão para que se tenha um comportamento violento com quem amamos. Ou então, não amamos. Não concebo essa possibilidade. Ponto final.
Mas o que mais me magoa nisto tudo, é a nódoa. Confesso. Tomar conhecimento da existência deste tipo de situações na comunidade lésbica fez com que passasse a ver em mim uma nódoa. Acreditava que as lésbicas estavam imunes. Afinal, não estão.
Não quero com isto dizer que pensava que só os homens é que são violentos e que a relação lésbica estava imune por nela não haver homens. Nada disso. A minha convicção era que um amor sublime, como é o amor entre duas mulheres, estava imune. Também não consigo perceber o que leva um homem ou uma mulher a baterem na mulher ou no marido. Não digo que o amor entre casais deste género seja menos verdadeiro do que o que existe entre duas mulheres. A questão (!) é que estou mais familiarizada com a violência entre os casais heterossexuais.
E, sendo assim, o que é que isto faz de mim?
Nos telejornais relata-se, aqui e além, um crime passional. Quantos deles não têm por detrás maus tratos psicológicos, pelo menos, quando não físicos, até? Carrego no botão e mudo de canal.
Numa ou noutra conversa ouço A contar que o marido de B lhe bateu e por isso ela não tem saído de casa. Respondo com um aceno de cabeça e mudamos de assunto.
No outro dia caiu-me em cima da secretária um processo em que um marido, recém operado ao coração, fora agredido pela mulher, supostamente por tê-la confrontado com uma relação adúltera com o patrão. Ela recordou-lhe que devido aos problemas cardíacos não podia ter relações sexuais com ela, o que a fez procurar outra pessoa. Chamou-lhe impotente, paneleiro, frouxo e um sem número de outros epítetos. O processo vinha acompanhado de fotografias do marido, bem ilustrativas das agressões, um pouco por todo o corpo. Um colega comentou que sempre preferia morrer de ataque cardíaco a fazer sexo do que a apanhar porrada da mulher. Rimos todos, porque o P. tem sempre muita graça...


E onde é que isto me leva?
Leva-me a concluir que nada faço para alterar esta situação. Sou mais uma peça na engrenagem de uma sociedade que diagnostica problemas mas não os resolve, que acha muito bem que existam associações como a APAV mas não as ajuda, que continua a manter o provérbio popular "entre marido e mulher, ninguém mete a colher!"... Sou mais uma peça na engrenagem, uma peça cheia de óleo, suja... repleta de nódoa...
Foi por isso que caí do cavalo quando a D. me relatou o que viu. E isto por dois motivos: primeiro, porque me apercebi que as lésbicas também eram vítimas de ataques de ciúmes doentios, de problemas psicológicos graves, de manipulações psicológicas, de demonstrações de poder dolorosas; segundo, porque me apercebi que nunca tinha dado a verdadeira importância à questão, mesmo quando pensava que só os heterossexuais viviam situações assim. Passei a ver uma nódoa enquanto lésbica, mas pouco depois percebi que essa nódoa aparecera em cima da nódoa que já tinha enquanto ser humano.
A violência doméstica existe entre as lésbicas. É um facto. A situação destas vítimas é ainda mais silenciosa do que a das vítimas heterossexuais. É urgente que esta problemática seja debatida, estudada, e que se encontrem soluções para estas mulheres. E nisso, penso que a tod@s cabe um papel, porque não podemos deixar que este seja mais um flagelo no seio da comunidade lgbt. Este post tem um claro objectivo: inquietar-vos/nos as consciências. Para que, se as vossas amigas vos falarem num caso semelhante, não sejam apanhadas de surpresa. Como eu fui.

* O banner que a APAV criou para assinalar a data de hoje diz o seguinte:
Cinco mulheres morrem todos os meses, vítimas de agressões dos seus maridos ou companheiros. A violência doméstica é crime público. Denunciar é a única forma de pará-los.
Não prevê, portanto, a existência de violência doméstica entre lésbicas.




Lembre-se que o silêncio não ajuda, que ele é, muitas vezes, cúmplice dos actos violentos.

Se presenciar, suspeitar, ou for vitima de alguma situação de desrespeito pelos direitos humanos, não hesite, contacte o gabinete de apoio à vitima mais perto de si, ou ligue o número único 707 20 00 77.

Serviços centrais de Sede
Rua do Comércio, 56 - 5º
1100 - 150 LISBOA


Extraído do site da APAV


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