quinta-feira, 30 de novembro de 2006
Quase fomos o que quisemos.
Henri Cartier-Bresson [1908-2004]. Traseiras da Gare de Saint Lazare. 1932
Alguns desses objectivos foram cumpridos, outros não. Reconheço-o com tranquilidade. Penso que é tão importante saber festejar as vitórias como encarar de frente as derrotas. Perdi muitas das apostas que fiz com a vida e sei que muitas mais perderei.
Nem sempre conseguimos ser aquilo que queremos ser. Entre a nossa vontade e aquilo que conseguimos fazer vai uma grande distância, que é percorrida pela sorte, pelas oportunidades, pelo tempo certo, enfim, por um sem número de circunstâncias que não estão sob o nosso domínio. Digamos que no caminho das nossas metas, nem sempre «querer é poder»; muitas vezes, o «querer» só faz metade do caminho e deixa a outra metade por conta do acaso ou da vontade alheia.
Às vezes caímos na tentação de fazer batota com a vida, especialmente quando os caminhos que traçámos, as metas que almejamos têm de ser percorridas a dois. Às vezes, achamos que somos capazes de decidir pelo outro, de pensar pelo outro, de sentir pelo outro. Às vezes achamos que reunimos em nós tudo o que é necessário para que o outro decida de acordo com o que nós queríamos, com o que nós gostaríamos, com o que nós sonhámos, com o que nós idealizámos. Só que, às vezes, não reunimos.
No caminho para a realização dos nossos sonhos devemos dar o melhor de nós, mas conscientes de que, às vezes, o melhor de nós não chega. Às vezes, nós inteiros não chegamos para chegar à meta. Às vezes, querer não é poder. E perdemos as apostas. E os objectivos ficam a meio, juntamente com o nosso esforço, o nosso desejo, o nosso sonho, a nossa dor. A vida nem sempre nos dá tempo de parar, chorar, sair, levantar do chão, como se diz na música dos Toranja. Desata a gritar-nos ao ouvido que continuemos a correr, mesmo que tenhamos de encharcar os pés nas poças de água da chuva, mesmo que estejam 40 graus Celsius lá fora, mesmo que o caminho seja íngreme, mesmo que estejamos atordoados e já não tenhamos sequer noção de quais são as metas que queremos atingir. Muitas vezes, o turbilhão provocado pela continuidade impediosa do tempo é tanto que quase nos esquecemos de quem somos. E às vezes, quase esquecemos quem somos só porque o outro não nos vê.
Quando isso me acontece, procuro dentro de mim o equilíbrio que passa por reconhecer que o objectivo, apesar de todo o meu empenho, todo o meu sonho, apesar de tudo, não se concretizará. Já aprendi que, na vida, nem todas as apostas são para ser ganhas, nem todos os sonhos são para realizar, nem todas as metas são para alcançar. Mas devo a mim própria dar o meu melhor mesmo perante essas apostas, esses sonhos e essas metas. «Querer» é dar o meu melhor, dar tudo, se preciso for. Se não quiser o bastante, nunca serei. Mas se eu quiser muito, pode ser que chegue ao fim da vida com a tranquilidade bastante para poder dizer, quando estiver frente-a-frente comigo mesma, que quase fui o que quis, que quase fomos o que quisemos.
* Uma dessas realizações está bem diante dos vossos olhos e dá pelo nome de Assumidamente.
Na grafonola: Cada vez mais aqui, dos Toranja [Esquissos, 2003].
Cada Vez Mais Aqui
Toranja
Queres lutar com quem?
Para doer aonde?
Para ser o quê?
Achas que ninguém vê?
E para quê fingir?
Porquê mentir
e remar na dor?
Achas que ninguém vê?
Também eu queria parar, chorar, cair...
para me levantar,
para te puxar!
Te fazer sorrir...
não voltar a cair!
Não me olhes assim!
Continuo a ser quem fui!
Cada vez mais aqui...
não dances tão longe...
que eu já te vi.
Também eu queria parar, chorar, cair...
para me levantar,
para te puxar!
Te fazer sorrir...
não voltar a cair!
Marriage is love. |