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segunda-feira, 13 de junho de 2005

De que falamos quando dizemos "the L word"? 

Peggy Peabody – You’re the lesbian...
Bette Porter – Excuse me?!...
Peggy Peabody – ... the lesbian museum director.
Bette Porter – I'm sorry...
Peggy Peabody – I was a lesbian in 1974.
Bette Porter – Just in 1974?
Peggy Peabody – Well... just in 1974. That was all I needed.
Bette Porter – Well... yoy know... that is what we refer to as an "asbian".

O diálogo transcrito foi extraído do último episódio da série "The L Word" a que assisti (sim, ainda só consegui ter tempo para ver até ao 4.º da primeira temporada...). Este excerto mereceu a minha atenção não só pelo facto de ser deliciosamente bem-humorado ("asbian" no sentido de "as been", got it?), mas principalmente porque mais uma vez me fez pensar num assunto que me vem preocupando há já algum tempo...

Entre as estrelas femininas de Hollywood parece estar em voga fazer declarações sobre experiências com pessoas do mesmo sexo, quer tenham sido já concretizadas (in real life or in the movies), quer façam (ainda) parte do imaginário das actrizes. Depois de Madonna ter assumido publicamente que praticara sexo com mulheres, ficámos a saber numa entrevista dada em 2000 à revista Elle que Angelina Jolie gosta de tudo, desde "boyish girls" até "girlish boys". Mais recentemente foi Penélope Cruz quem disse que a pessoa que ela mais tinha apreciado beijar na tela foi, nem mais nem menos, do que Charlize Theron (as duas actrizes contracenaram no filme "Head In The Clouds", no qual as personagens que representam têm uma relação amorosa).

Esta sequência de acontecimentos quase que nos leva a crer que está na moda as actrizes serem conotadas como homossexuais ou bissexuais no seio da indústria cinematográfica e televisiva (a série "The L Word" terá contribuído para isso?). Mas se é assim nesses meios, já fora deles parece que as coisas continuam igualmente difíceis para as lésbicas...

Confesso que pessoalmente não acho pertinente nem sequer favorável para os LGBT que pessoas famosas afirmem publicamente que tiveram ou gostariam de ter relações ou experiências com pessoas do mesmo sexo. É que se, à primeira vista, este tipo de afirmações poderá (virtualmente) ajudar a desmascarar preconceitos e estereótipos, tem como revés a proliferação de ideias erradas e outros preconceitos igualmente negativos.

Temos assistido a "confissões" de mulheres que gostariam de ter relacionamentos com outras mulheres, mas que não se assumem como lésbicas, nem pouco mais ou menos. Algumas, como é caso de Madonna, chegam mesmo a afirmar que já viveram relações com mulheres, mas que não são homossexuais por causa disso. Trocando por miúdos, já beijaram mulheres, já fizeram amor com mulheres, mas isso não as "transformou" em lésbicas.

O busílis da questão está aqui. É que, sem que se dê por isso, este tipo de afirmações acaba por criar no íntimo das pessoas um outro estereótipo: o de que uma mulher atraente que se comporta como uma lésbica (em moldes muito básicos, que beija ou que tem relacionamentos com outras mulheres) é muito "cool", muito modernaça, muito divertida... e nada mais do que isso. No fundo, o reverso da medalha acaba por ser a banalização dos relacionamentos lésbicos e a ideia de que, se encarados da perspectiva desejável (ou seja, aquela que os vê como meras experiências inconsequentes), eles poderão ser publicitados, com vantagens para a imagem de quem os viveu, que passam a ser vistas como pessoas, digamos, modernaças e despreconceituosas, "open minded"... mas sempre mantendo a lucidez, que é como quem diz, a heterossexualidade.

Ou seja, a somar à imagem repugnante, mas, infelizmente, recorrente da fantasia masculina das duas mulheres que se beijam e se tocam para deleitar o macho, mas que no fundo não conseguem ter prazer sem um pénis, agora temos a da mulher heterossexual que experimenta uma relação com outra mulher para demonstrar a si própria (e aos outros, se isso for usado como meio de promoção) que pode envolver-se com mulheres sem passar a ser lésbica.

E se é verdade que há mulheres famosas que admitiram já ter tido experiências homossexuais que assumem a sua bissexualidade com naturalidade (como Angelina Jolie ou Chloë Sevigny, por exemplo), outras há que fazem questão de reafirmar a sua heterossexualidade (como Madonna).

Pensar sobre isto deixou-me perante uma questão: será que estas mulheres (refiro-me às reafirmam depois a sua heterossexualidade) viveram, de facto, relações lésbicas? Ou terão vivido apenas relações de carácter sexual com pessoas do mesmo sexo?

The L Word


E depois de reflectir, dei por mim a tender mais para a segunda conclusão. Porque para mim um beijo lésbico é muito mais do que a união dos lábios de duas mulheres: é a união dos lábios de duas lésbicas. E uma relação sexual lésbica é muito mais do que o que duas mulheres fazem na cama, é o que duas lésbicas fazem na cama. E lésbica, para mim, embora tenha consciência de que vivemos tempos em que muitos abominam as definições, ainda é uma mulher que sente atracção emocional e física de modo muito predominante ou exclusivo por mulheres e não uma mulher heterossexual que "experimenta", ocasionalmente, uma relação sexual com outra mulher.

As definições podem e devem ser acolhidas sempre que isso seja essencial para que se compreenda do que falamos. E de que falamos quando empregamos a palavra "lésbica"? De que falamos quando falamos de "sexo lésbico"?

O uso de determinadas expressões não pode, na minha opinião, continuar a ser inconsciente, como tem vindo a ser feito por algumas figuras públicas. Dizer que se viveu uma relação lésbica mas que se é heterossexual não faz qualquer sentido. O que se viveu, nesse caso, foi uma relação com uma pessoa do mesmo sexo. Porque, repito, não creio que todos os beijos dados entre mulheres sejam beijos lésbicos...

Falar em relações homossexuais implica que os envolvidos sejam pessoas com orientação sexual muito predominante ou exclusiva para pessoas do mesmo sexo, o que, por sua vez, implica uma orientação também emotiva, ao nível dos sentimentos. Porque ser lésbica não é só ir para a cama com uma mulher, mas sim vivenciar uma qualquer emoção em relação a uma mulher, tenha essa emoção a profundidade de uma paixão ou não (bastando, por exemplo, uma sensação de maior identificação e consequente satisfação sexual, mais à-vontade, sensação de bem-estar, etc.). O que é certo é que esta emoção está lá e é esse também um dos elementos que permite diferenciar uma mulher homo de uma heterossexual - a lésbica experiencia-a em relação a mulheres e a hetero em relação a homens. A definição de homossexualidade como "o desejo sexual por pesssoas do mesmo sexo" deve dar lugar a uma definição que contemple também o elemento afectivo/emocional, que está ausente de uma relação (mesmo de cariz sexual) em que um dos parceiros é heterossexual e que, consequentemente, não poderá ser definida como uma relação lésbica ou gay.

Enquanto esta desejada precisão na terminologia usada não vem, pelo menos esforçar-me-ei por torná-la presente no meu vocabulário e no dos outros, sem me deixar entusiasmar pelas revelações das "lésbicas" e "bis" de Hollywood. Nem quero imaginar o cenário se a moda pega em Portugal...

Comentários:
olá! Apesar de novas por estas andanças, não quero deixar de elogiar as palavras que aqui nos deixas. Identifico-me com quase tudo o que aqui foi expresso e, infelizmente, penso que existe cada vez mais essa falta de discernimento no que toca a relações homo e hetero, isto porque concordo que, para muitas pessoas, está na "moda" confessar e assumir algo, que na maioria das vezes anda muito longe de uma verdadeira relação homossexual...

De qualquer forma era só para dizer que gostei muito de ler o teu artigo. :)
 
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