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quinta-feira, 12 de maio de 2005

Sopram ventos de (boa) mudança na Jurisprudência Portuguesa
 

Faz parte do Código Penal (CP) desde 1998, mas afinal, segundo o Tribunal Constitucional (TC), está "ferido" de inconstitucionalidade. Trata-se do artigo 175.º, que estipula o crime de "actos homossexuais com adolescentes". Definido como "um acto homossexual de relevo" praticado por um adulto com "menor entre 14 e 16 anos" e punido "com prisão até dois anos e multa até 240 dias", este crime foi considerado inconstitucional, num acórdão datado de ontem, pelos juízes do Palácio Ratton.

A argumentação desenvolvida no acórdão, que só deverá ser tornado público amanhã, deverá ater-se ao facto de este crime estabelecer uma "idade de consentimento" mais elevada para os actos sexuais entre pessoas do mesmo sexo que a que vigora para sexos diferentes.

De facto, o que o artigo 175.º do CP estipula é que todos os actos sexuais entre um adulto e um adolescente dos 14 aos 16 anos são crime desde que os dois sejam do mesmo sexo, enquanto que os mesmos actos sexuais entre um adulto e um adolescente da dita idade mas de sexo diferente só são crime se houver "abuso da inexperiência" (situação prevista no artigo 174.º, "actos sexuais com adolescentes") ou violência (o que entra na categoria de violação - artigo 164.º). Na prática, isto significa que a idade estabelecida pelo ordenamento jurídico português para o livre consentimento do acto sexual é de 16 anos para homossexuais e de 14 anos para heterossexuais.

Esta decisão do TC, cuja relatora foi a juíza Maria João Antunes, é a resposta a um recurso do cidadão inglês Michael Burrige. Condenado pelo Tribunal de Cascais do cometimento do crime descrito no artigo 175.º, este suscitou a inconstitucionalidade do mesmo. Como o fez, num recurso que ontem mesmo deu entrada no TC (e que foi distribuído ao Conselheiro Vítor Gomes), um arguido do caso de abuso sexual de menores dos Açores ("caso Farfalha").

Três decisões do TC sobre a inconstitucionalidade do crime implicarão a sua revisão e previsível ablação do Código. Como foi sempre defendido pelas associações de defesa dos direitos dos homossexuais portugueses .

Sérgio Vitorino, da associação Panteras Rosa/Frente de Combate à Homofobia, congratula-se por "menos esta discriminação no nosso mapa legislativo", embora considere que "tinha de acontecer. O próprio Parlamento Europeu já se declarara contra esse tipo de diferenças em relação à idade do consentimento." Mas, frisa o mesmo activista, o entendimento da Justiça portuguesa nesta matéria é contraditório. "Em 2003, o Supremo Tribunal reiterou a diferença na idade do consentimento, considerando os actos homossexuais 'um uso anormal' do sexo". Num acórdão, releve-se, sobre o mesmíssimo caso de Michael Burrige.

Desde Abril de 2004 que a Constituição inclui a "orientação sexual" nos motivos expressos da não discriminação. Determinação que, inclusa no Tratado de Amesterdão, vinculava Portugal desde 2000.
(por Fernanda Câncio e João Pedro Fonseca)


Cronologia de uma discriminação legislativa

Até 1982, o Código Penal (CP) punia com "medidas de segurança "a "prática habitual de vícios contra a natureza". Os vícios em causa eram qualificados como "práticas que agredissem o princípio básico da moral sexual" e "o primado da sexualidade genital e da reprodução".

Em 1982, por respeito à "reserva da vida íntima", contitucionalmente consagrada seis anos antes, a revisão do CP remete " a homossexualidade entre adultos, livremente exercida e em recato" para os actos não puníveis. Mas surge um novo crime, "homossexualidade com menores", que ameaça com prisão até três anos "quem, sendo maior, desencaminhar menor de 16 para a prática de acto contrário ao pudor, consigo ou com outrém do mesmo sexo".

Em 1995, nova revisão do CP, nova alteração do artigo 175.º agora intitula-se "actos homossexuais com menores", as expressões "desencaminhar" e "actos contrários ao pudor" desaparecem e o crime passa a ter a moldura penal que hoje o caracteriza: dois anos. Na revisão seguinte, em 1998, a redacção do artigo mantém-se, é o título que sofre alterações: os "menores" passam a "adolescentes". É a versão ainda em vigor.

A previsível revogação do artigo 175.º do CP , que corresponderá ao final da criminalização da homossexualidade em Portugal, chegou a ser proposta pela ministra Maria Celeste Cardona. Aprovada em Conselho de Ministros (CM) em Junho de 2004, não foi ao parlamento devido à demissão do governo. De novo proposta pelo ministro da Justiça Aguiar-Branco e aprovada em CM, chega a dar entrada no parlamento. Mas este é dissolvido antes da discussão.


Fonte: Diário de Notícias


A ILGA Portugal já emitiu um comunicado sobre o assunto, que tomo a liberdade de transcrever aqui.

A Associação ILGA Portugal sempre defendeu a revogação do art. 175.º do Código Penal pelo seu carácter claramente discriminatório.

Para que se perceba a inconstitucionalidade do referido artigo cabe-nos explicar o que está de facto no Código Penal (revisto em 1998):
- é o artigo 172.º que penaliza o abuso sexual de crianças (menores de catorze anos) não fazendo qualquer referência à orientação sexual;
- o art. 174.º penaliza "actos sexuais com adolescentes" entre os 14 e os 16 anos, mas apenas caso haja "abuso da inexperiência" da vítima;
- esta ressalva já não está incluída no art. 175.º que penaliza todos os "actos homossexuais com adolescentes" entre os 14 e os 16 anos, mesmo que consensuais;
- as penas previstas para os artigos 174.º e 175.º são as mesmas.

O que está em causa não é pois o abuso de crianças, nem o abuso de adolescentes sem o seu consentimento, que é inequivocamente punido, de igual forma, e com toda a correcção, em todos os casos. A diferença resume-se apenas a situações em que há consentimento das e dos adolescentes: se as relações forem heterossexuais (porque a lei parece pressupor que "actos sexuais" e "actos heterossexuais" são sinónimos), esse consentimento pode ser consciente; se forem homossexuais, a lei define que esse consentimento é necessariamente inconsciente.

Esta diferença na idade do consentimento faz com que o art. 175.º represente actualmente, tal como o Tribunal Constitucional determinou agora, uma violação do art. 13.º da nossa Constituição. (Ver notas.)

Por atentar contra o direito à auto-determinação sexual, qualquer abuso sexual é um crime que deve ser claramente punido por lei, independentemente da orientação sexual do agressor e independentemente do facto de agressor e vítima serem do mesmo sexo ou de sexos diferentes. E, precisamente, porque o direito à auto-determinação sexual é inalienável, a idade de consentimento deve também ser independente da orientação sexual. Defender o direito à auto-determinação sexual significa, por isso, condenar o abuso sexual e condenar também a discriminação patente no art. 175.º.

Louvamos portanto a lucidez do acórdão do Tribunal Constitucional, que veio reforçar a reivindicação política da Associação ILGA Portugal de que a lei deve ser igual para tod@s, como expresso na nossa Constituição.

Apelamos ao Governo e à Assembleia da República que tenham em consideração esta decisão e tomem medidas adequadas para a revogação célere do art. 175.º do Código Penal.

Lisboa, 12 de Maio de 2005

Pel’A Direcção e Grupo de Intervenção Política da Associação ILGA Portugal
(Prof. Doutor Manuel Cabral Morais, Presidente da Direcção da Associação ILGA Portugal)
Tlm.: 969 367 005


Notas
-O Parlamento Europeu, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e o Conselho da Europa já recomendaram inequivocamente a Portugal a abolição desta diferença que viola ainda a Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Aliás, os próprios países que recentemente aderiram à UE tiveram que alterar os respectivos Códigos Penais nesse sentido.
-Em 2003, o Supremo Tribunal de Justiça redigiu um acórdão que defende a discriminação inerente ao art. 175.º, acórdão este que considerámos insultuoso e discriminatório. (
comunicado)
-Em 2004, os dois últimos Governos de coligação PSD/PP chegaram a aprovar em Conselho de Ministros (24/05 e 28/10) um projecto de revisão do Código Penal que propunha precisamente a revogação do art. 175.º, tendo chegado a dar entrada na Assembleia da República, entretanto dissolvida.
-Em 2005, o Tribunal de Ponta Delgada defendeu a inconstitucionalidade do art. 175.º, demonstrando que há juízes conscientes de que a lei deve ser igual para tod@s como expresso na nossa Constituição.



Pessoalmente, estou muito feliz com a prolacção deste acórdão. Também já tive oportunidade de expressar a minha discordância com este artigo discriminatório do Código Penal e é sempre bom saber que, mesmo que lentamente, os juízes portugueses vão demonstrando sensibilidade para estas questões gritantes e ousam romper com o passado. São momentos como estes que trazem realização aos que fazem parte da "máquina da Justiça".

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