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terça-feira, 30 de novembro de 2004

Sic transit gloria mundi... 

I.
Há cerca de quatro meses, enquanto hesitava entre manter o governo eleito democraticamente ou convocar eleições antecipadas, o Presidente da República ouviu o Conselho de Estado, os partidos, os ilustres e quem lhe deu na real gana, até à exaustão, arrastando desnecessariamente o cenário de indecisão. Fortemente criticado pela demora na tomada da decisão que todos tomariam sem hesitar se estivessem nos seus sapatos, Sampaio precaveu-se e desta vez foi diferente: decidiu de rajada que o melhor era dissolver a A.R., sem ouvir os partidos e o Conselho de Estado, como dispõe e lhe impõe a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 133.º, alínea e) in fine.

(Pela minha parte, só tenho a agradecer-lhe, Senhor Presidente, porque não teria pachorra para episódios repetidos desta novela sórdida e desinteressante que é a política interna portuguesa, e da qual V. Ex.ª se tem revelado um exímio actor.)

Todavia, não posso estar senão em desacordo com o timming escolhido por Sampaio para a decisão que tomou.

Primeiro - O P.R. anunciou, já depois da decisão tomada, que ouvirá o Conselho de Estado durante a próxima semana. Se assim for, e além do Conselho de Estado resolver ouvir, como é seu apanágio, um número infindável de pessoas, a decisão formal de dissolução pode ficar em stand by durante o tempo suficiente para o Parlamento constituído aprovar o orçamento proposto pelo governo ainda em funções. Se assim for, desgraçado do governo que se seguir, porque estará vinculado ao orçamento aprovado e, em consequência, limitado a fazer rectificações, o que é muitíssimo diferente de elaborar um orçamento de acordo com um programa de governo...

(Ainda assim, talvez este cenário seja preferível àquele em que Portugal só terá orçamento aprovado depois de formado o governo eleito em Fevereiro de 2005...)

Segundo - A decisão é inoportuna porque os efeitos colaterais negativos que produzirá reflectir-se-ão também ao nível financeiro, uma vez que a tão esperada e anunciada retoma económica tardará.

Terceiro - O referendo sobre a Constituição Europeia será, em princípio, adiado, o que comportará uma situação desconfortável para Portugal nesta matéria face aos parceiros europeus.

Quarto - É, no mínimo, caricato que sendo o governo o principal factor da dita "instabilidade política" reinante no nosso país, a A.R. seja dissolvida mas aquele se mantenha em funções talqualmente se encontrava hoje de manhã, ou seja, sem limitações, mantendo formalmente poderes para legislar (excepto em matéria de reserva relativa da A.R., onde é necessária autorização) e tomar decisões políticas, como as de designar pessoas para ocuparem cargos públicos!

(Isto parece-me, no mínimo, incongruente, Senhor Presidente! Veja lá se não demora muito a mandar os santanetes embora, que os seus fans agradecem...)

Quinto - Finalmente, a decisão é inoportuna também para os partidos políticos.
O PS terá de renunciar ao fórum que tinha anunciado para Janeiro (preparava-se para invadir a Espanha e alargar as fronteiras) e terá de elaborar o programa de governo e apresentar algumas figuras para integrarem o próximo executivo antes do previsto. Além disso, o partido de Sócrates teria todo o interesse em reforçar a sua afirmação nas eleições autárquicas antes das legislativas. Se não alcançar a maioria, a alternativa poderá ser uma coligação com o PCP de Jerónimo de Sousa (?!) ou o Bloco de Esquerda de Louçã (Céus!). Qualquer um destes cenários seria, no mínimo, surrealista.
Quanto ao PSD, as coisas são mais complicadas... O partido acaba de realizar um Congresso onde Santana Lopes foi consagrado líder e o seu governo objecto de votos de confiança. Tendo em conta que a imagem que os portugueses têm dele como Primeiro Ministro é o "autocolante da instabilidade", não me parece que esteja em condições para derrotar Sócrates. Por outro lado, apreciando o seu carácter (pois...), não me parece que vá demitir-se, o que é péssimo para a esperança de bons resultados eleitorais, uma vez que o panorama exige que o PSD apresente como alternativa a "prata da casa", competente e unida, forte e decidida a derrotar o PS, caso contrário, os resultados poderão ser desastrosos. A solução poderá passar por Cavaco Silva ou Rebelo de Sousa.

(Só convém que seja inesperada... e quanto mais, melhor)

O senão de Cavaco é que, no caso de derrota, o sonho de Sá Carneiro será concretizado pelo PS - um governo (Sócrates), uma maioria (em coligação?) e um Presidente (Guterres).

(Salve-se quem puder!)

Porém, uma pergunta permanece... Sem maioria, onde estará a tão falada "estabilidade"?...


II.

Mas a decisão de Sampaio não peca só por ser inoportuna. A justificação da "instabilidade" é duvidosa.

Primeiro - O governo de Santana dispunha do apoio de uma maioria, ao invés do que Sampaio quer fazer crer, "estável" na A.R..

Segundo - O facto de a decisão ter tido lugar sem a audição prévia do Conselho de Estado e dos partidos revela que Sampaio decide em função dos acontecimentos do dia-a-dia, não fazendo a menor ideia de como deve ser, a longo prazo, um sistema governativo. É caso para dizer que "o bom filho à casa torna": Sampaio faz as pazes com os socialistas e conquista o coração dos anti-PSL, arrecadando votos para o seu partido e preparando o cenário para um regresso a Belém, quiça dentro de quatro ou oito anos.

(Só me questiono se a decisão terá tido por base as asneiras de Gomes da Silva e Morais Sarmento ou as baboseiras de Henrique Chaves... É que não me lembro de ter ouvido falar em dissolução da A.R. quando Fernando Gomes e Armando Vara meteram água ou Manuel Maria Carrilho bateu com a porta... )

Terceiro - Todavia, Sampaio concedeu a PSL o condão de sair pela porta da vitimização, argumento que irá, sem surpresas, aproveitar para justificar a sua morte na praia e para apelar aos portugueses para que renovem nele a confiança, para poder lavar a honra... Em suma, Sampaio ofereceu de bandeja um incentivo ao populismo de Santana.

(Apenas uma pergunta retórica: quem terá dado o empurrão final, Henrique Chaves e a sua comunicação à lusa, plena de suspeições e ausente de concretizações, Cavaco Silva e as acusações veladas contidas no artigo publicado no Expresso?)


III.

Por último, impõe-se um esclarecimento: a decisão de dissolução da A.R. pelo P.R. enquadra-se nos seus poderes discricionários, ou seja, poderá basear-se num critério de oportunidade política, económica, ou outra, e não terá necessariamente de ser justificada pelo perigo para o funcionamento das instituições. É uma prerrogativa institucional do Presidente da República e não tem de ser justificada, ainda que o deva ser, ao menos politicamente (perante o Conselho de Estado). Sampaio pode, por isso, poupar os portugueses às suas justificações e ao discurso gasto da instabilidade...

(Santa ignorância que grassa pela comunicação social portuguesa...)

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