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quarta-feira, 25 de agosto de 2004

Edvard Munch (1863-1944) 

O pintor Edvard Munch (1863-1944) fotografado em 1902, em Lubeque, na casa do Doutor Max LindeSão raras as notícias que conseguem despertar a minha atenção. Geralmente, às 20 horas estou a trabalhar, a ler ou a jantar. Raramente vejo as notícias, porque prefiro lê-las online. No entanto, e fora o que é habitual, na segunda-feira vi o Telejornal. Foi aí que tive conhecimento de que dois quadros do pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944) haviam sido roubados do Museu com o seu nome, em Oslo, Noruega: "O Grito" e "Madonna".

Munch foi um dos primeiros pintores que aprendi a apreciar com agrado. Confesso que a contemplação da sua obra foi das que mais contribuiu para a minha indecisão na escolha da carreira: o curso de artes era uma forte possibilidade, que a padronizada sensatez na escolha da profissão acabou por desvanecer...

Na obra de Munch é fácil identificar um particular conceito de vida - uma visão amarga, construída muito sob a influência dos dois males que afectaram Munch: a tuberculose e a loucura, a quem o compositor, juntamente com a morte, chamou os "anjos negros que velaram o meu berço ao nascer". A tuberculose vitimaria ainda a sua mãe, quando o pintor contava apenas 5 anos, e a irmã mais velha, Sophie, nove anos mais tarde. Por isso mesmo, Munch foi um pessimista e a sua obra está repleta de expressões dessa sua característica.

A sua obra, o que sucede em poucos casos, é o reflexo dos seus desgostos pessoais e estes tiveram influência decisiva na orientação da sua carreira como artista. Em 1889 verifica-se uma mudança substancial na sua obra, motivada por uma viagem a Paris, mas os temas centrais manter-se-ão. São deste segundo período ambas as obras furtadas do Museu Munch.

"O Grito", pintado em 1893, expressa a sua experiência pessoal sobre o amor, a doença, a morte. Munch expôs a sua intenção : «Tal como nos desenhos de Leonardo se explica anatomia, aqui explica-se a anatomia da alma [...] a minha tarefa é estudar a alma, o que equivale a dizer, estudar-me a mim mesmo [...] na minha arte tentei explicar a minha vida e o seu significado.» Neste quadro, o céu vermelho prende a concentração do observador, que, mesmo assim, não consegue observá-lo abstraíndo-se do olhar penetrante da figura humana ao centro da pintura: com o corpo ondulante e as mãos envolvendo a cabeça, ela grita, emitindo o que Munch descreveu como «o grito enorme, infinito, da natureza». Mesmo depois de fecharmos os olhos, continuamos a ver a figura retorcida e "O Grito" ganha som! Uma obra indubitavelmente admirável... Em "Ansiedade", pintado um ano mais tarde, a expressividade de "O Grito" repete-se, mas diluída já em três figuras humanas centrais, perdendo, por isso, a força da pintura anterior.

"Madonna" de Munch (1895) retrata a relação do pintor com a mulher fatal - o pintor sente-se atraído pelo poder de atracção da mulher, pelo mistério da natureza feminina, que ele considera perturbador. Muitas das mulheres representadas na obra de Munch se parecem fisicamente com a "Madonna", com particular exactidão em "O Broche" (1903), onde a violinista Eva Mudocci encarna perfeitamente o estereótipo: cabelos longos, envolvendo o rosto em traços ondulantes e largos; o corpo despido (apenas em "Madonna"), lânguido, pálido, magro. No quadro furtado, Munch pretende a representação do orgasmo feminino, que ele próprio descreve assim: «A pausa em que o mundo inteiro se detém na sua órbita. O teu rosto encarna toda a beleza do mundo. Os teus lábios carmesim, como fruta da estação, entreabrem-se como num gesto de dor. O sorriso do teu cadáver. Agora a vida e a morte dão as mãos. Encadeou-se a cadeia que une os milhares de gerações por vir». Esta obra é, assim, de um atrevimento admirável - Munch sente-se distante da mulher, a quem teme, mas simultaneamente, rende-se ao seu poder único de ligar a humanidade, em sucessivas gerações. Nesta obra, cujo título é, no mínimo, surpreeendente, Munch exalta a mulher como sendo o centro do mundo, que pára («o mundo inteiro se detém na sua órbita») ao seu orgasmo. Esta é, por isso, para mim, umas das obras mais completas e perfeitas da história da arte.

Foi com uma enorme tristeza que soube que estas duas obras haviam sido subtraídas do Museu Munch. Sinto um nó na garganta ao pensar que poderão perder-se ao serem incorrectamente manuseadas, ou expostas a ambientes que as degradem. E mais amargurada fiquei ao pensar que poderão não mais ser encontradas, o que privaria os olhos do público da sua contemplação. Encaro este tipo de furtos como crimes contra a humanidade, porque estas obras não são apenas propriedade do Museu Munch, mas sim de todos aqueles para quem o pintor as concebeu, ou seja, qualquer observador. Resta-me agradecer o facto de não ter sido também roubado os quadros "Modelo junto a um cadeirão de vime" (1919-1921) e "O Beijo", as outras obras de Munch que mais me marcaram e esperar que "O Grito" e "Madonna" não tenham o mesmo fim que o seu pintor: a morte na solidão.



Nota 1: Neste post descrevo apenas a minha interpretação das obras a que faço referência, pelo que ela apenas reflecte as minhas considerações pessoais acerca dos quadros em questão.

Nota 2: Outros furtos e roubos de obras de arte
21 de Agosto de 1911 - A "Gioconda", de Leonardo Da Vinci, é subtraída do Louvre, em Paris, e recuperada em Dezembro de 1913.
20 de Maio 1988 - Um Cézanne, um Van Gogh e um Jongkind são roubados em Amesterdão. Valem 52 milhões de euros e aparecem dias depois.
30 de Janeiro de 1989 - Um Rembrandt e um Van Goyen são roubados em Amesterdão e encontrados na mesma tarde em Roterdão.
19 de Janeiro de 1990 - Três desenhos de Picasso desaparecem do Museu Vieille-Charité, em Marselha.
12 de Março 1990 - Um Van Gogh, avaliado em 1,7 milhões, desaparece de um depósito em Zurique.
14 de Abril de 1991 - Vinte quadros de Van Gogh são roubados do Museu Van Gogh, em Amesterdão.
20 de Maio de 1998 - Dois Van Gogh e um Cézanne são retirados da Galeria Nacional de Arte Moderna de Roma e aparecem em Julho em Roma e Turim.
1 de Janeiro de 2000 - Um Cézanne avaliado em 4,8 milhões é roubado do Museu Ashmolean (Reino Unido).
22 de Dezembro de 2000 - Dois Renoir e um Rembrandt, avaliados em cerca de dez milhões, desaparecem do Museu Nacional da Suécia, em Estocolmo.
7 de Dezembro de 2001 - Dois Van Gogh roubados do Museu Van Gogh, em Amesterdão, avaliados em vários milhões, ainda não foram recuperados.

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