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domingo, 4 de abril de 2004

O problema das falsas premissas


Leio no Público de hoje (*) que "o aborto não potencia o cancro da mama". Este teria sido um dos argumentos largamente mobilizados pelas organizações que se opõem à interrupção voluntária da gravidez, o que sucedeu muito recentemente em Portugal. Agora, um grupo de cientistas liderado por Valerie Beral, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, após analisar 53 estudos que envolveram, nada mais, nada menos, do que 83 mil mulheres em 16 países, não encontrou quaisquer indícios da tão apregoada relação entre a patologia e a interrupção da gravidez.
É caso para questionar de onde viria a certeza dos grupos anti-aborto para afirmarem que ela existia. Esta alegada ligação começou a difundir-se nos anos 70, baseando-se em estudos mal concebidos. Mal concebidos porque as perguntas influenciavam a resposta e a amostra era constituída por mulheres que já tinham cancro da mama. Ou seja, os critérios nos quais tais estudos se baseavam eram, por si só, forma segura de viciar e falsear os resultados das investigações.
Pelo contrário, Valerie Beral afirma que a sua análise sugere que poderá haver uma ligeiríssima redução no risco de sofrer de cancro da mama para quem já fez um aborto, quer espontâneo, quer provocado!
Quanto aos estudos citados ao longo dos anos pelos activistas anti-aborto, eles são considerados de má qualidade porque neles eram questionadas sobre a anterior prática de aborto mulheres que já padeciam de cancro da mama - Valerie Beral afirma que "era mais provável que estas mulheres revelassem ter abortado do que mulheres saudáveis, porque procuravam uma explicação para a sua doença". Isto condiciona as respostas e falseia claramente os resultados!

E a propósito disto dei por mim a pensar que é muito provável que seja em estudos deste tipo que se baseiam as organizações que se manifestam contra a adopção por parte de células familiares constituídas por dois homossexuais. De facto, é sabido que este tipo de organizações, bem como certos deputados da nossa Assembleia da República, invocam como base sólida para a sua relutância em permitir a adopção a dois homossexuais, frequentemente - muito mais do que seria desejável, o que evidencia falta de argumentos -, estudos que comprovariam, alegadamente, que as crianças educadas no seio de famílias homossexuais tenderiam ao mimetismo do comportamento dos seus progenitores, adoptando, na idade adulta, comportamentos homossexuais - como se a homossexualidade fosse uma questão comportamental (!) - e evidenciando maiores dificuldades de integração nos meios sociais (escola, círculo de amigos, ocupação de tempos livres, vida profissional, etc.) do que as crianças criadas por casais heterossexuais.
Ora, para quem tenha dois dedos de testa e dois olhos na cara, estes estudos só poderão basear-se em premissas erradas, conduzindo, necessariamente, a conclusões também elas erradas. Não é verdade que o facto de uma criança ser educada por um determinado modelo familiar influencie a sua sexualidade. Se assim fosse, a homossexualidade, bem como a heterossexualidade, estariam facilmente explicadas, e a sexualidade do ser humano estaria reduzida à imitação dos comportamentos dos seus educadores. Mas ainda o argumento de que a educação não condiciona mas influencia a determinação da sexualidade da criança na idade adulta pode ser rebatido, senão vejamos:
- Se assim fosse, então a maior parte dos homossexuais - não todos, porque estamos a falar de mera influência - seria proveniente de células familiares homossexuais, o que, sabidamente, não é verdade. E porque se assim fosse, a inversa teria de ser também verdadeira, o facto de os homossexuais serem criados por famílias heterossexuais teria de os influenciar no sentido da heterossexualidade, o que se verifica não acontecer, porque nenhum homossexual deixa de o ser só porque os seus progenitores não o eram.
- Por outro lado, se a sexualidade dos educadores influenciasse a sexualidade dos educados, um rapaz educado no seio de uma família monoparental constituída apenas pela mãe heterossexual, seria, necessariamente, homossexual. E isto porque se a mãe se sente atraída por homens e o filho é influenciado pelo comportamento da mãe, terá de sentir-se igualmente atraído por homens. O mesmo sucederia com uma rapariga educada apenas pelo pai, também ele heterossexual - vendo-o relacionar-se apenas com mulheres, futuramente, a rapariga tenderia a relacionar-se, também, com mulheres. A realidade espelha que isto não é verdade.
E outros exemplos poderiam dar-se de como não é seguro - nem sequer é provável - que a sexualidade dos progenitores tenha influência na determinação da sexualidade dos filhos. Mas o que importa, parece-me, não é provar que ela não tem influência, mas sim que ela a tenha. Porque o ónus da prova - como diria o Dr. António Serra Lopes, está a fugir-me o pezinho para a dança, que é como quem diz, para o jurídico - recai sobre quem afirma, quem acusa.

Não me resta alternativa senão convencer-me de que os estudos em que certas facções políticas e sociais se baseiam para sustentar tais argumentos são de má qualidade, tal como os que relacionavam o aborto ao cancro da mama. Mas este assunto dá pano para mangas, e pano é uma coisa que agora eu não tenho… Tornarei a ele - está prometido, até porque ainda não discorri aqui sobre a minha opinião acerca da adopção por homossexuais.

Como nota final, deixem-me apenas acrescentar que, enquanto escrevia este post, me vieram à memória os estudos que proliferaram na década de 90 e que tentavam sustentar a tese de que os filhos de pais divorciados tendiam a divorciar-se também, sob influência do sucedido com as células familiares em que cresciam e eram educados. As conclusões de hoje vão no sentido exactamente oposto, o que evidencia que há respostas que não estão nos estudos, mas no coração do ser humano, se é que me faço entender…

(*) Este post foi redigido em 30 de Março, apesar de ser publicado apenas hoje.

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