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segunda-feira, 8 de dezembro de 2003

Blind Date!!! 


Desliguei, por breves segundos (tão breves que nem sei se terão dado fé que não estava ali) e deixei o pensamento voar. A conversa fora interessante até então... É certo que por mim nunca teria estado sentada naquela mesa. Teria inventado uma desculpa qualquer: um aniversário de um primo, de um tio, de um sobrinho que aliás nem sequer tenho, mas que para todos os efeitos passaria a ter... Enfim, teria feito tudo menos comprometer-me para um jantar com uma pessoa sobre a qual a única coisa que sabia é que tinha um blog, que, por sinal, constava da minha lista de favoritos, desde há muito... Mas a Mente Assumida, sempre muito mais empreendedora que eu nestas coisas da socialização deu o primeiro passo e, porque percebi que a minha cara metade queria mesmo conhecer a pessoa que existia por trás das palavras daquele blog e dos mails que entretanto haviam trocado, lá coloquei de parte todas as minhas reservas, receios e desconfianças e aceitei este jantar a quatro: eu, a Mente Assumida, uma blogger da nossa praça (cuja identidade fica ao seu critério revelar ou não) e o respectivo namorado.

Sei que vão pensar que sou doente, vejo muitos filmes ou tenho a mania da perseguição, mas reconheço que fiquei muito reticente em relação a este jantar... É que desde que li a lista de propósitos do Partido Nacionalista português (leiam o ponto 15!!!) e ouvi um polícia no TIC, de “Mein Kampft”debaixo do braço, apregoar que quem tinha razão era o Hitler e que os “pedófilos e os paneleiros deviam ser todos fuzilados num campo de concentração“(sic), percebi que as histórias que se contam sobre skin-heads votados a perseguir os homossexuais podem muito bem ser mais do que histórias... E, por isso, não me poderão censurar se confessar que sim, temi que por trás da voz simpática que falara com a Mente Assumida ao telefone a combinar uma data, uma hora e um local estivesse alguma dessas mentes perversas e obcecadas... O que querem? Tenho por costume ser cautelosa e ponderar todas as possíveis consequências dos meus actos... Mas também tenho por costume arriscar e, mais do que isso, não deixar ficar mal a pessoa com quem quero viver o resto da vida e que já se tinha comprometido para este jantar, por isso, mais de meia hora depois do combinado (sim, que a pontualidade não é, nunca foi, nem nunca será o meu forte!) lá estávamos no sítio acordado.

É claro que não encontrámos nem skin-heads, nem neofascistas sedentos de “retirar o direito de voto a todos aqueles que praticaram qualquer crime social: como (...) homossexualidade (...)”. Se assim tivesse sido, a estas horas, em vez de estar aqui a escrever-vos estaria algures numa câmara ardente, rodeada de familiares mais ou menos chorosos e umas tantas outras pessoas mais ou menos curiosas!... Pelo contrário, encontrámos um par de caras simpáticas, sorridentes e amistosas.

LÁ nos sentámos à mesa. Entre francesinhas como só no Porto sabem fazer e uma sangria ainda melhor a conversa foi rolando. falámos de tudo e mais alguma coisa. Das diferenças entre o Norte e o Sul, de política, de televisão, de astrologia... inevitavelmente de blogs... e, no meio de tudo, como se de apenas mais um assunto se tratasse, de homossexualidade... As palavras fluíam ligeiras, como sempre fluem as conversas interessantes. falávamos como se já nos conhecêssemos há imensos anos, como se aquele fosse apenas mais um de muitos jantares que houvéssemos partilhado... por momentos esqueci-me que daquelas duas caras sabia pouco mais do que o nome... e, por breves segundos desliguei e deixei o pensamento voar.

Enquanto as vozes tagarelas e divertidas dos meus três companheiros de mesa continuaram a soar apercebi-me que a sensação de “estrangeirismo“que sempre me acompanha desapareceu por instantes, para dar lugar a uma agradável e confortável sensação de verdade.

Ok, eu passo a explicar isto do “estrangeirismo”: acaba por ser o preço a pagar pela vida dupla que assumidamente opto por viver. Sinto-me inevitavelmente estrangeira no “mundo heterossexual“onde me movo, em que vivo e no qual todos me julgam integrada, por razões óbvias: porque de cada vez que calo a relação maravilhosa que vivo e que me absorve os sentimentos por completo, sempre que abafo as angústias por que passo quando a Mente Assumida está doente ou disfarço a euforia dos dias em que as nossas vidas se cruzam, é uma (grande) parte de mim que fica por dizer, por se dar a conhecer, acabando por fazer passar para os outros uma imagem diferente daquela que é a minha... estrangeira de mim!
No entanto, não deixo de ser estrangeira também nos ambientes exclusivamente homossexuais. O peso das quatro paredes a que tais ambientes se costumam confinar não me deixam esquecer que aquele é apenas um microcosmos e que no mundo real os casais de mulheres/homens não andam de braço dado na rua, como ali, não se sentam abraçadas enquanto bebem um copo, como ali, não dançam juntas nem se beijam em público, como ali. Em bares lgbt, ou ainda que fora deles, mas entre homossexuais, quando posso falar abertamente da minha relação com a Mente Assumida sinto-me sempre como uma criança a quem dão um rebuçado para calar o choro: “vá come lá o rebuçado, mas depois tens que te portar bem e não armar muitas ondas na hora de comer a sopa!”... E a sopa logo é servida mal se fecha a porta do bar ou da casa dos amigos homossexuais e entramos num mundo onde nos sentimos mais estrangeiros do que quando dele saímos!!!

E é sempre assim... Ser homossexual não assumida tem implícita esta vivência dupla entre dois mundos estanques e sem qualquer tipo de interacção: de um lado os heteros, que nunca sabem nada; do outro lado os homossexuais, que sabem, mas com os quais apenas podemos partilhar momentos fugazes da nossa vida... É sempre assim... ou quase sempre.


Com efeito, houve um dia em que se tornou simplesmente incomportável não contar à minha melhor amiga que era lésbica e que namorava com a Mente Assumida. Lembro-me de ter temido, na altura, que ela não soubesse lidar com a situação e que algo na nossa amizade se perdesse... Com o tempo os meus receios acabaram por revelar-se fundados: após as palavras de conforto que sempre soube que me daria acabou por afastar-se de nós paulatinamente, por muito que tentássemos que continuasse a ver-nos como a Assumida Mente e a Mente Assumida, suas amigas de sempre, não conseguia nunca esquecer-se que entre mim e a Mente Assumida havia uma relação, temia estar a mais, temia ser inconveniente, temia... sei lá o quê... ainda tentei explicar-lhe várias vezes que o facto de namorarmos não significava que não precisávamos de mais ninguém no mundo, antes pelo contrário, que a nossa relação até se enriqueceria se pudéssemos partilhar bons momentos com os nossos amigos... Mas foi complicado para ela lidar com a situação e a amizade acabou por esmorecer... Sobrevivem-lhe apenas uns quantos telefonemas de vez em quando e aquela empatia que nunca desaparece, por muito que os amigos se afastem.

Depois desta experiência prometi a mim mesma que nunca mais na minha vida revelaria a nenhum amigo hetero a minha orientação sexual. Fiquei com a sensação que partilhar tal coisa seria colocar sobre os ombros do meu interlocutor um fardo enorme, porque seria incomensurável tanto o peso de guardar tamanho segredo como o peso de não saber qual a forma correcta de lidar com a situação... E o muro que separava os dois mundos distintos que servem de cenário à minha vida dupla adensou-se...

Fiquei com a firme convicção que, por muito que quisessem, os heterossexuais nunca compreenderiam as atitudes, os comportamentos e os receios que acompanham um casal homossexual não assumido, como nós, nunca saberiam como se relacionar connosco de um modo natural e despreconceituoso... reconheço hoje que caí no erro que tanto critico nos outros: generalizei e inevitavelmente errei...

Regressei das divagações... Na mesa falava-se de signos. A nossa blogger queixava-se das constantes distracções do namorado, características incontornáveis do seu signo, e a Mente Assumida falava dos meus constantes atrasos perguntando-se se os astros também influenciariam os ponteiros dos meus relógios. Eles falavam de si enquanto casal e nós falávamos de nós, sem tabus, sem preconceitos... De repente deixáramos de ser um casal de lésbicas a jantar com um casal de heterossexuais... Éramos apenas dois casais com muitos interesses em comum, com muito que partilhar e uma empatia que ali brotava para alimentar... deixáramos de estar num mundo de heteros ou de homos para passarmos a estar num mundo de pessoas... simplesmente! Num mundo onde, mais importante do que especular sobre quem amamos ou deixamos de amar, é descobrirmo-nos e encontrarmo-nos mutuamente num debate de ideias são, franco e frutuoso.

Volvido que foi tão bem sucedido jantar, tenho que dar a mão à palmatória: a vida é muito mais leve quando assumidamente vivida... Ou pelo menos seria, se a maioria dos heteros soubesse lidar tão naturalmente com a situação como souberam a A. e o R..

Obrigada aos dois pelos bons momentos passados!... É claro que o cenário que o Cais de Gaia nos proporciona também ajudou a tornar a noite especial...

Cais de Gaia

Não sei porquê tenho o Sérgio Godinho a martelar-me na cabeça: “É que hoje fiz um amigo e coisa mais preciosa no mundo não há!”


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