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terça-feira, 23 de setembro de 2003

A propósito do "Ano Europeu das Pessoas com Deficiência" 


Um passeio, uma escadaria, uma caixa multibanco - três obstáculos terríveis para um invisual. Um debate, uma conferência, um concerto - três palavras com pouco significado para um surdo. Um pedido de informação, uma prova oral, um cântico - três impossibilidades para um mudo.

2003 foi o ano escolhido pela União Europeia para a sensibilização dos povos em relação à problemática dos portadores de deficiência e, por isso, denominado "Ano Europeu das Pessoas com Deficiência".

Aqui e além, os mais atentos - porque é realmente preciso estar muito atento - assistem a algumas iniciativas que procuram promover a igualdade entre os portadores de deficiência e os não portadores. Aqui e além... ainda que muitíssimo diluídas e passando despercebidas para a importância que o tema tem.
Certamente, ninguém ignora que muitos dos portadores de deficiência são também homossexuais. No entanto, nesta, como em tantas outras áreas, é preferível ignorar esse dado, porque, já de si, a abordagem do problema apresenta dificuldades.
Jogos de futebol, concertos, acções de beneficiência, sessões de esclarecimento, debates públicos, conferências, tudo isto são exemplos de actos que pretendem chamar a atenção dos cidadãos para um problema que é de todos e que a todos diz respeito. E quanto aos cidadão deficientes e homossexuais, o que tem sido feito?

Não pretendo, com isto, dizer que os deficientes homossexuais devem ser alvo de qualquer tipo de tratamento especial, para além do que é imposto pela sua deficiência. Não venho aqui reclamar para os deficientes gays acções específicas em função da sua sexualidade - a intenção deste post é bem outra: é a de consciencializar, a de alertar para que, além dos obstáculos que se deparam aos deficientes, quase sempre a eles se junta o isolamento, a não integração, a discriminação, em virtude da sua homossexualidade. Parece que me contradigo? Não o faço - não devem os deficientes homossexuais ser alvo de acções específicas em função da sua sexualidade, mas sim na medida em que a sua deficiência represente um entrave à sua livre sexualidade, à sua realização sexual pessoal.
Bastas vezes, a homossexualidade tem sido objecto de discussão na sociedade - ainda que, a meu ver, nem sempre com os objectivos mais nobres (decerto, ninguém ignora o facto de os canais de televisão terem mais em conta a possibilidade de um aumento de audiência do que encontrar verdadeiras soluções para os problemas que os homossexuais enfrentam diariamente). De facto, a abordagem que é feita da questão nem sempre é a que melhor serve os interesses dos homossexuais, mas sim daqueles que promovem tal abordagem, confundindo-se a visibilidade com o exibicionismo, o debate com o esgrimir de acusações, a divulgação com a crítica. Os exemplos abundam nas rádios, na televisão, nas revistas, nos jornais e também, há que afirmá-lo, na blogosfera.
O chavão "falem mal, mas falem de mim" não se aplica a tudo, muito menos em questões de sexualidade, mas há quem teimosamente pretenda que se aplique, e por isso não meça palavras quando aborda o assunto.
Não é isso que, julgo, os homossexuais pretendem - pretendemos, sim, que não se ignore a nossa existência, é certo, mas reclamamos uma atenção que vai muito para além disso. E é neste aspecto que a questão entronca com o caso dos homossexuais deficientes. É que, para além dos problemas específicos da deficência, a esses acrescem outros que lhes advêm do facto de serem homossexuais - não ignorar a questão não é bastante, a questão vai muito para além disso!
Muitas são as associações que dão a voz pela comunidade lgbt, mas poucos são aqueles que, no seu seio, dispõem de núcleos específicos para deficientes. Tenho conhecimento de apenas um site sobre este assunto, mas é possível que existam mais – quero crer que sim!
É urgente que, dentro das associações de defesa dos direitos dos homossexuais, se criem condições que possibilitem a participação dos cidadãos deficientes, no seio da comunidade lgbt. É fundamental, acima de tudo, que não se discriminem os deficientes no seio da comunidade lgbt. E afirmo isto porque não pode pedir-se aos outros que não nos discriminem, quando tantas e tantas vezes somos nós próprios que nos discriminamos. Não é novidade para ninguém que os homossexuais se discriminam entre si: os magros discriminam os gordos, os feios discriminam os bonitos, os ricos discriminam os pobres, os brancos discriminam os de diferentes etnias, os jovens discriminam os mais velhos e tudo isto vice-versa. E não surpreenderá ninguém que se diga que os não deficientes discriminam os deficientes - se assim não é, pergunto, onde estão as iniciativas neste ano a eles dedicados?
Não podemos cruzar os braços e esperar que sejam os outros a resolver os nossos problemas - eles nunca o farão. É necessário que a comunidade lgbt debata no seu seio a questão e encontre as suas próprias respostas. É imperioso que surjam acções vindas de dentro, que só depois poderão ser transpostas para fora. Não me espanta nada que a nível n nacional não existam essas acções em prol dos deficientes homossexuais, mas muito me desilude ver que no interior desta comunidade nada se faz, nada se diz, nada se escreve. Só posso concluir que, à margem do que vejo acontecer com quem afirma nada ter a ver com isto, também as lésbicas e os gays estão demasiado concentrados no seu umbigo.
Às vezes paro e tento imaginar como será o dia-a-dia de uma lésbica paraplégica, de um gay mudo, de um bissexual invisual, de um transgender surdo, e chego à conclusão que as suas vidas são, por certo, bem mais difíceis do que a minha, bem mais isoladas, bem mais infelizes, bem mais silenciosas, bem mais insuportáveis.
Restam pouco mais de três meses a este Ano Europeu das Pessoas com Deficiência, mas este é um compromisso que não está condicionado ao tempo, nem ao lugar, mas sim à iniciativa e ao empenhamento.
Desejo que este ano sirva apenas de mote para que se abram os olhos, se limpem os ouvidos, se desimpeçam as gargantas, se movam as pernas e os braços e se inquietem os cérebros de todos os que, não o sendo, se preocupam verdadeiramente com os deficientes, com todos os deficientes.


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