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quinta-feira, 4 de setembro de 2003

Orgulho Gay 


Quando demos início a este blog, nem a Assumida Mente nem eu estabelecemos qualquer tipo de regras no que concerne ao teor dos posts que aqui vêm parar. Mas uma coisa ficou acordada implicitamente, debaixo de um olhar, porque dispensamos as palavras para nos entendermos: a temática não passaria por comentar nem responder a posts de outros blogs, porque este blog não tem a intenção de alimentar polémicas nem discussões seja com quem for. Não me perguntem porque vamos por aqui, ou terei de responder que é porque queremos seguir um caminho diferente de cerca de 80% dos actuais blogs portugueses...
Partilha, reflexão, prazer - três objectivos do Assumidamente.

No entanto, considero que hoje devo abrir uma excepção. Tentarei resistir à tentação de comentar um post alheio - para isso existem os sistemas de comentários e os e-mails - mas "Conservadorismo e sexualidade", do Acho eu, servirá de mote para o que a seguir se escreve.

Afirma o A. no citado post:
"Nunca percebi - melhor dizendo, nunca aceitei - que fosse suposto haver uma contradição dramática entre o conservadorismo e a homossexualidade."

De facto, compreendo que não se aceite que haja contradição entre conservadorismo e homossexualidade. E não deve aceitar-se tal "dramática" contradição, simplesmente, porque ela não existe. O conservadorismo e a homossexualidade não estão em pólos opostos. Cito um exemplo.

- Sou lésbica, como já afirmei aqui anteriormente.
- Além disso, sou católica praticante e exerço funções com algum destaque na minha comunidade paroquial, onde lido com pessoas de todas as idades (e sim, o meu pároco/confessor sabe que sou homossexual e não me afastou por causa disso).
- Politicamente, sou de direita - daquelas que usam pólos da Jota e agitam bandeirinhas nos comícios, mas também daquelas que batem o pé quando discordam e batem com a porta quando se desiludem. Em casa dos meus avós há um busto do Doutor António Oliveira Salazar. Cresci a ouvir críticas ao seu regime, mas também elogios - pessoalmente, discordo de muitas medidas tomadas no período pós-25 de Abril. Uma ressalva: não sou (e ninguém da minha família é) salazarista - sou sá-carneirista convicta.
- Estudei na universidade mais antiga do país, onde tudo é tradição, tudo é manutenção de um passado pesado, quase esmagador (e talvez amorfo...).
- Ideologicamente, não sou a favor da adopção pura e simples, sem fundamentação de factos, por casais de homossexuais, tal como sou contra a adopção por heterossexuais nas mesmas condições.
- Não reivindico a legalização do casamento para os homossexuais, porque acredito que tal instituto foi criado à luz das uniões heterossexuais, sendo informado pelos seus valores. Sou a favor da criação de uma figura jurídica própria, original, concebida desde a sua raiz dando atenção às características das relações homossexuais. Penso que essa figura daria mais credibilidade às relações de lésbicas e gays, actualmente e em média mais duradouras que as dos heterossexuais (mas isto será objecto de um outro post).
- Quanto ao aborto, moralmente sou contra, mas juridicamente sou a favor. Mais um dilema para resolver...

À primeira vista, diriam que dificilmente poderia ser mais conservadora. Sei que diriam isto porque já muitos mo disseram. Mas simultaneamente, sou homossexual. Ora, pelas leis da lógica, isto vem provar que não é (no meu caso como em tantos, tantos outros!) "dramaticamente" contraditório ser-se homossexual e conservador. Digo com o Acho Eu: "Ser conservador tem que ver com uma predisposição social, política, intelectual... Não tem que ver com a vida intíma".

Abomino rótulos. Abomino tudo aquilo que seja redutor, e os rótulos são do mais redutor que a cabecinha humana inventou. Quando muito, admito que me ponham muitos rótulos - são uma praga que em maior número é mais fácil de exterminar. Já aqui o disse também, cada um é muito mais do que aquilo que faz, é muito mais do que o somatório de determinadas características. As cores (leia-se "características") não se misturam todas da mesma maneira. Concluindo, afino pelo diapasão do Acho Eu: "Haverá alguma contradição entre ser conservador e ler com prazer Frank Ronan? Não, nenhuma." E Walt Whitmann, Virgínia Wolf, Oscar Wilde, Charlotte Brontë, Edmund White, Patricia Highsmith, David Leavitt, Selma Lagerlöf, Mário de Sá-Carneiro, Marguerite Yourcenar, só para citar alguns.

Continua o A. do blog:
"Bem sei que os discursos sobre os direitos dos homossexuais são típicos da esquerda - sobretudo de certa esquerda. E que à direita se encontram - nos blogs já encontrei - ataques furiosos à homossexualidade."

É frequente, de facto, conotar as lésbicas, os gays, os bissexuais e os transgenders enquanto indivíduos e muito mais as suas (nossas) associações com partidos políticos de esquerda. Mas saiba quem ler este post que isso desagrada a muit@ gente. Quem estabelece essas conotações procura, exclusivamente, desvalorizar o trabalho de quem se empenha em modificar a mentalidade e a realidade portuguesas em relação à sexualidade (leram bem - sexualidade e não homossexualidade, porque o caminho que o nosso país tem a percorrer é imenso e não segue numa única direcção...).
Desenganem-se: as questões sociais não são necessariamente políticas! A política não é o único meio de alcançar progresso, pelo contrário: a meu ver é, em boa medida, um mundo de areias movediças em que, mais do que o "social", se salvaguarda o "pessoal" - e, estou certa, as associações lgbt desejam afastar-se disso!
"Os discursos sobre os direitos dos homossexuais são típicos de esquerda" (in Acho Eu)? Pois são, de facto, não posso discordar. Mas lamento que assim seja, porque a sexualidade das pessoas não é uma questão política, nem religiosa, nem económica. Os direitos das pessoas são algo de inerente à sua condição humana, seja ela de direita ou de esquerda, gay ou straight. Enquanto o entendimento da maioria dos cidadãos do mundo for mesquinho ao ponto de não "ver" isto, ao menos façam-me um favor: não aponham etiquetas políticas naquilo que não é política, mas sim realidade factual!

(Desabafo:
E já agora, quantos serão os arautos de direita (alguns deles bloguistas, como todos sabemos) que se escondem por detrás dos vidros escuros dos carros que passeiam pelas noites do Parque Eduardo VII? Não sei e nem sequer estou preocupada em saber - não é isso que me move. "Ataques furiosos à homossexualidade" (in Acho Eu) é uma expressão acertada e com a qual concordo, mas prefiro ser coerente comigo mesma e dizer "quantas vezes, tiros no próprio pé" - direito ou esquerdo, é irrelevante...


Ainda do Acho Eu:
"Também sei, e obviamente que não sou o único a sabê-lo, que à esquerda é frequente optar-se pelo silêncio público sobre o tema quando o que se pensa é pouco aceite pelo grupo."
É caso para criar um novo brocardo: "De desonestidade intelectual e cobardias políticas está a Assembleia da República a abarrotar"...

Poderia continuar a citar extractos do Acho Eu com os quais concordo plenamente, mas porque este post já vai longo, dedico atenção ao aspecto que, penso, urge esclarecer.

Leio nesse blog:
"Orgulho Gay? Mas a orientação sexual lá é caso para se ter orgulho?"
Este tipo de afirmação é muito típica de todos aqueles que desconhecem o que vem a ser o tal "Orgulho Gay". Não posso deixar de louvar o facto de o A. ter escrito "orientação sexual" e não as malditas expressões "inclinação", "tendência", "escolha", "opção" - é que já não há pachorra para este tipo de estupidez! Bem haja, mas ainda assim tenho de criticar a ignorância inerente à afirmação.
Segundo a máxima portuguesa "se não sei a definição, invento uma eu próprio, não posso é perguntar para não passar por parvo", surgem ideias infundadas e despropositadas, como esta, de que o "Orgulho Gay" é orgulho na própria orientação sexual. Tal não corresponde à verdade. O "Orgulho Gay" não se traduz no orgulho que alguém sente em ser homossexual. Da mesma forma que os heterossexuais não têm orgulho em serem como são, nós também não temos orgulho em sermos como somos - somos e ponto final. O verdadeiro "Orgulho Gay", aquele pelo qual me debato também, é o orgulho que sentimos em gritar que "estamos aqui, existimos e reclamamos os nossos direitos". "Orgulho Gay" é sinónimo de exigência - exigência do nosso espaço, da nossa autonomia, da nossa liberdade, dos nossos direitos, do respeito que todo e qualquer ser humano merece e que tantas vezes nos é negado. A expressão "Orgulho Gay" pode até ser ambígua, mas a interpretação imediata não é a mais correcta. O "Orgulho Gay" não é mais do que a verbalização da resistência dos homossexuais, que se recusam a olhar para si próprios como "aberrações", seres "anti-natura" (seja lá isso o que for), "invertidos", "fufas", "paneleiros", "pecadores" e outros despautérios com os quais somos constantemente agredidos. O "Orgulho Gay" não tem nada a ver com orgulho na orientação sexual, mas sim com orgulho em não sucumbir nesta sociedade pobre de espírito no que toca a questões de sexualidade.

Pode parecer que estou a enveredar por um caminho oposto ao do post abaixo, da autoria da Assumidamente, mas isso será assim apenas à primeira vista. Penso que tudo o que venho escrevendo converge para estas palavras que colho desse mesmo post: "A mudança de que tod@s precisamos é uma mudança de mentalidades que (não - acrescento eu) só o tempo e a acção diária de cada uma de nós, nos nossos locais de trabalho, nas nossas famílias ou nos nossos grupos de amigos poderão conseguir. Precisamos, acima de tudo, de provar a este mundo, ainda tão inóspito, que ser-se "gay" ou "lésbica" não significa ser-se "bicha" ou "fufa", "panão" ou "camionista" (estas duas então são do pior!); significa simplesmente que o complemento que procede palavras como "desejo-te" ou "amo-te" tem um género diferente daquele que foi estipulado como normal pela sociedade (ei-la de novo!) e que isso não diminui um milímetro a nossa dignidade, probidade e rectidão enquanto seres humanos! Precisamos, acima de tudo, de provar e demonstrar que nenhuma relação existe entre o género da pessoa que amamos e o grau de respeitabilidade a que temos direito."
Ambas estamos de acordo, portanto, na necessidade de uma profunda mudança na sociedade. A única divergência que temos (neste aspecto é a única, porque noutros, elas são em número infinito - e ainda bem) é no "meio", não no "fim". Não rejeito liminarmente as greves e as manifestações como meios para atingir fins, embora prefira o diálogo e o esforço empenhado (deve ser uma das minhas características conservadoras). Não rejeito, é certo, mas penso que são insuficientes. Mas há também que ver que as "Prides" e as "Parades" são apenas duas das muitas actividades levadas a cabo por quem nelas participa, ou seja, maioritariamente, elementos de associações homossexuais. Promovem-se palestras, congressos, acções de esclarecimento, debates, exposições e pelo menos um programa de rádio (o Vidas Alternativas) que procura mais visibilidade para a comunidade lgbt. E não vem a ser este blog o contributo - que pode ser diminuto, mas é o possível - das suas AA. para essa mesma visibilidade?
O caminho é árduo, mas também eu acalento, tal como a Assumidamente, o desejo de, um dia consigamos "provar que, apesar de toda a discriminação que há séculos vimos sofrendo, finalmente conseguimos demonstrar que não queremos chocar nem provocar ninguém, apenas queremos poder viver a nossa vida com a dignidade e o respeito a que a nossa condição de seres humanos nos dá direito..."
Enquanto esse dia não chega - porque os cegos continuam a não querer ver - admito que gosto de ir a "Prides", que gosto de assistir a "Parades" (talvez um dia participe, quem sabe?), porque isso demonstra que as lésbicas e os gays portugueses estão activos, energéticos, barulhentos, divertidos, carismáticos, inteligentes, artísticos, VIVOS!
Não o disse no post sobre a Pride do Norte, mas vou dizê-lo agora, porque a verdade é como a boa educação - cabe em qualquer parte: senti um imenso orgulho ao ver a Alexia, linda, maravilhosa, glamourosa, estonteante, no alto dos seus compensados, a cativar o público presente - maioritariamente hetero, o que ainda lhe dá mais valor. Pessoas assim, tal como todos os que dão a cara, o corpo, a alma e as palavras - como a Assumidamente -, fazem-me sentir orgulho em pertencer a esta minoria, a este mundo tão especial e tão belo. Obrigado a tod@s os orgulhosos!


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