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segunda-feira, 1 de setembro de 2003

Assumidamente anti-Algarve! 


Mil e duzentos quilómetros, sete dias e muitos pensamentos volvidos eis-me de regresso a casa, a este blog (muito bem cuidado pela Mente Assumida) e à rotina das horas que um dia (breve, espero eu) deixarão de ser as minhas.
Regresso com a sensação de que não valeu a pena ter partido. Tenho por lema tentar transformar cada dia que vivo num dia especial; gosto de me deitar e sentir que estou mais rica do que quando acordei: porque li um poema marcante, porque conheci uma pessoa interessante, porque mergulhei numa paisagem bonita... por causa de um quadro, de uma música, de uma frase, de um sorriso...
Mas o Algarve não enriquece ninguém! Lamento, perdoem-me os 80% da população portuguesa (obviamente o número não é oficial!) que não dispensa o seu saltinho ao sul do país, no mês de Agosto, quando o calor aperta e se faz um intervalo no trabalho, perdoem-me também os governantes de Portugal e os munícipes da região, que andam a tentar promover o turismo nacional, mas efectivamente o Algarve não enriquece ninguém!

Talvez por fazer parte de uma minoria oprimida (sei que soa mal, mas não deixa de ser verdade!), talvez por, desde sempre, ter aversão a tudo o que são seguidismos irracionais e acríticos, nunca compreendi e, muito menos, consigo apreciar os fenómenos de massas, sejam eles quais forem.
Não compreendo, por exemplo, o futebol, não compreendo como é possível que milhões de pessoas em todo o mundo deixem que a alegria dos seus dias ou o ritmo do bater do seu coração sejam condicionados, pela prestação de jogadores ofensivamente multimilionários que, durante noventa minutos seguidos, tentam desesperadamente fazer passar a bola por um guarda-redes, sem quase nunca serem bem sucedidos. Não compreendo.
Não compreendo o Elvis ou os Beatlles, não compreendo o Beckham, não compreendo o Figo, não compreendo as massas... e não compreendo estas romarias anuais ao Algarve!
Sei que as explicações para estes fenómenos podem abundar: as pessoas gostam de se sentir parte da sociedade, têm necessidade de se integrar numa comunidade e tudo isto não passa de um modo de manifestação de uma identidade cultural sem a qual nenhum ser humano poderá viver. Dirão talvez os sociólogos que o ser humano tem inerente a si uma necessidade de comunidade que se alimenta destes momentos. Que seja! Respeito. Tolero... Mas não me peçam para dizer que gosto.

Expliquem-me, a mim, que tento sempre ver o lado positivo das coisas, que prazer se pode tirar de uma viagem de sete horas, 30ºC e filas intermináveis numa paisagem aridamente constante! Expliquem-me onde está a calma de uma praia repleta de pessoas a gritar aos filhos: "Jean Michel vien ici à mama! Rápido senão parto-te todo!", a atirar-nos areia para cima, debaixo de um sol que nos tosta a pele ao ponto de alguns apanharem mesmo queimaduras de segundo grau (e não julguem que estou a exagerar!).
Expliquem-me como podemos relaxar a mergulhar naquelas águas impregnadas por um misto de cheiro a gasóleo e esgoto mal escondido? Como é possível divagarmos em pensamentos idílicos sobre as maravilhas da água salgada a penetrar-nos os poros enquanto ao nosso lado bóia um pau de gelado, um pacote de leite, um saco de plástico... para não falar do típico penso higiénico, que obviamente está sempre presente!
Expliquem-me, ainda, se as explicações vos sobejam como é que se aprecia uma boa refeição quando, para jantarmos, esperamos no mínimo meia hora, para que a fila do restaurante vá sendo vencida!
Expliquem-me, por fim, como é que é possível divertirmo-nos nas discotecas à pinha de Albufeira, Vilamoura ou Portimão, onde o suor entediante dos jet-sets portugueses (os de verdade e os que, durante este mês acreditam sê-lo!) impesta os espaços e afasta totalmente qualquer possibilidade de naturalidade!

Não se cansem a explicar-me! Nunca perceberei este fenómeno estival que se verifica no nosso país. Não tentem convencer-me que as praias são melhores do que as do resto do país - haverá acaso tamanha diferença entre a Praia da Rocha e a da Figueira da Foz (só para citar um exemplo!)? Não me venham dizer que a água é mais quente, porque não vejo qual a vantagem de nadar numa água aquecida pelo gasóleo e pela poluição em geral! Não me venham dizer que a noite é mais animada, porque é impossível confundir animação com lotação esgotada e apertos por todo o lado... de todo o género!
Sim, porque para completar o ramalhete das desvantagens, não pode ser esquecido o facto de, a todo o tempo, corrermos o risco de levarmos com os olhares libidinosos daqueles homens que não conseguem conter a baba que lhes escorre ao vislumbrarem um qualquer rabo de saia e que não são suficientemente inteligentes para compreender em dois minutos que estão a levar uma tampa...

Enfim, assumidamente detesto o Algarve! Poderão muito legitimamente perguntar-me: "se não gostas então porque foste?"
Fi-lo por um conjunto de circunstâncias genético-financeiras que me obrigam (ainda) a decidir por esta não assumpção de quem realmente sou, daquilo que realmente gosto... Mas, no fim destes dias, não posso deixar de partilhar convosco esta tristeza que trago na bagagem que é a constatação do quanto o nosso Portugal é pequenino; do quanto as pessoas "normais" cumprem os rituais usuais mesmo que para isso tenham que passar tormentas, só porque é tradição... Só porque é mesmo assim!...
E perante tais constatações, dei comigo a pensar, várias vezes, ali em frente ao mar, enquanto as ondas me devolviam o eco do nome que me enche o coração, o quão enraizado está este conservadorismo nacional: os portugueses fazem as coisas porque é costume, é natural, é normal, foi sempre assim desde o tempo dos seus bisavós, por isso não poderá ser de outra maneira... tudo o que fugir do guião secularmente alinhado está errado e é alvo da mais profunda reprovação!... Como será difícil enfrentar esta repulsa pela mudança, quantas lutas haverá ainda que travar, quantos dias ainda de vida dupla por viver...
Então, estendia-me na areia, fechava os olhos e deixava-me vaguear pela letargia dos sonhos, sonhos que se traduziam em:

"(...) ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte

A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte --
Os beijos merecidos da Verdade.
"
in Fernando Pessoa, Mensagem - Horizonte

E assim sobrevivi ao calor e à distância!

É bom estar de volta.


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