sexta-feira, 15 de agosto de 2003
Ainda a questão da assumpção, mormente o caso das figuras públicas...
Ora, tal visão das coisas, exige reflexão sobre alguns pontos, o que não consigo evitar fazer sempre que penso no assunto. Em primeiro lugar, ponhamos os pés na Terra, especialmente aqui no rectângulo à beira-mar plantado. Esta pretensiosa ideia de que todos os homossexuais estão indelevelmente destinados a fazer da sua existência uma batalha pela dita "causa lgbt" não se adequa de todo à realidade, mas parece que apenas alguns têm percepção disso! É necessário entender - e isto digo-o a todos quantos (muito dignamente, acrescento) devotam grande parte do seu tempo a associações de carácter social/homossexual - que nem todos os homossexuais sentem o mesmo "chamamento", digamos assim, para tais causas. E ainda que muitos dos que integram tal tipo de associações ou que apenas, sem o fazerem, tentam de alguma forma modificar a mentalidade retrógrada da esmagadora maioria dos portugueses o entendam, certo é que outros, demasiados outros, diga-se, parecem querer quase que "forçar" determinadas pessoas, mormente as figuras públicas, a assumirem-se como lésbicas e gays, cientes de que isso irá, automaticamente, ser de grande valia para toda a comunidade lgbt. Nomes de actrizes, actores, apresentadoras(es) de televisão, manequins, escritoras(es), políticas(os), professoras(es) universitárias(os) e outras personalidades de maior ou menor destaque na sociedade portuguesa são constantemente associados à homossexualidade, de forma mais ou menos velada, mais ou menos individualizada, quer nos media, quer nas conversas de café, quer nas conversas de família. E isto vem significar, afinal de contas, que temos como enraizado que A, B ou C são homossexuais, ainda que essas pessoas nunca se tenham assumido como tal. E que mesquinho é aquele típico comentário sempre presente quando uma destas pessoas aparece no ecrã da televisão ou nas páginas de uma revista: "Sabias que esta fulana é lésbica?"...
Quase me atrevo a arriscar a afirmação de que nada há de mais redutor do que identificar uma pessoa por aquilo que ela faz ou por uma determinada característica sua. Muito frequentemente ouvimos diálogos deste género:
- "Quem é aquele ali encostado ao balcão?"
- "É médico./É actor./É advogado./É gay."
Redutores, mesquinhos, despropositados. O ser humano é muito mais do que aquilo que faz, é muito mais do que aquilo que diz, é muito mais do que o que é óbvio aos olhos dos outros.
As figuras públicas têm, no meu modo de ver as coisas, o direito de não se assumirem. Mais, têm o direito de decidirem conscientemente não fazerem, sem que lhes advenham quaisquer tipos de obrigações pelo simples facto de serem figuras públicas. Se são actrizes ou actores, também são muito mais do que isso. São mulheres e homens com vida privada, que é o verdadeiro lugar onde se insere a questão da sexualidade de cada um. As preferências sexuais de todos nós, sejamos ou não figuras públicas, são da esfera da privacidade de cada um, reservadas unicamente para nós e para aqueles com os quais decidamos - conscientemente - partilhar tal assunto.
Seria bom que certas pessoas tomassem consciência disto. Seria bom que certas pessoas assumissem outro tipo de postura face a este tema, não impondo aos outros que decidam no mesmo sentido da sua própria decisão. Seria bom que as lésbicas e os gays deste país não colocassem mais uma grilheta em determinados homossexuais, apenas porque são figuras públicas. Seria bom que Frei Tomás deixasse somente de pregar um mundo mais livre e mais igual para os homossexuais, mas que também fizesse algo pelos homossexuais que não pretendem assumir-se. Como eu. Como tantos de vós.
Já agora, leiam e comentem Os Sinais do Medo. Mas do ponto de vista literário, sim?...
Marriage is love. |