terça-feira, 28 de dezembro de 2004
Taizé
Não vou contar aqui o modo como aquela noite, não muito longínqua, me marcou profundamente. Não vou falar da minha conversa com Deus, da forma como, perante tantos medos e dúvidas partilhadas, me deu força, me deu apoio e me ajudou a definir alguns caminhos. Vou apenas dizer que me levantei daquela pedra uma nova mulher, mais forte, mais decidida no caminho a trilhar, mais em paz comigo mesma e, por isso, com mais disponibilidade para os outros, com mais interesse em ouvir, com mais vontade de ajudar e com mais Paz para partilhar.
Ao longe o grupo cantava “nada te turbe, nada te espante, quem a Deus tem nada lhe falta… só Deus basta”. Segui a melodia até me aproximar de uma centena de pessoas sentadas em roda à volta de uma lareira. Não foi preciso aproximar-me muito para que logo um lugar na roda me fosse oferecido. Sentei-me e olhei à minha volta. O brilho nos olhos de cada uma daquelas pessoas não enganava: tínhamos todos vivido, no silêncio de um luar perfeito uma das noites mais marcantes das nossas vidas.
“Uma das noites mais marcantes das nossas vidas”… fora aquela noite um filme, fora este post o guião e o realizador fixaria agora as câmaras na lua-cheia-luminosa até que toda a sala de cinema fosse invadida por uma enorme luz branca capaz de acordar o velhote adormecido na última fila. Iluminada a sala e acordado o velhote, a actriz principal surgiria num novo cenário e toda a sua vida mudaria radicalmente.
Para os mais distraídos volto a repetir: não há aqui filme nem guião! Por isso, terminada “uma das noites mais marcantes da minha vida”, regressei a casa! Sim, à mesma casa de sempre! Não mudei de casa, não mudei de emprego, não mudei, obviaMente, de namorada… e, no entanto, muito mudou na minha vida! Mudou a minha disponibilidade para os outros, mudou a minha tolerância, tornou-se mais calma a minha forma de estar na vida, mais harmoniosas as minhas relações familiares, mais feliz, porque mais realizada, toda a minha existência e, por arrasto, com mais Paz e Felicidade também a vida dos que me rodeiam.
E é por isso que, mais do que me espantar, literalmente me PASSO, quando pessoas que simplesmente não sabem do que estão a falar criticam, pelo mero prazer de criticar, uma iniciativa como o 27.º Encontro Europeu de Jovens, organizado pela Comunidade de Taizé.
Esclareça-se: o objectivo deste encontro é, tão só e simplesmente, que jovens do Mundo inteiro se reúnam, num único espaço e rezem, como quiserem, como souberem e a Quem acreditarem pela Paz no Mundo, por um Futuro de Paz.
Podem participar neste Encontro jovens de TODAS as religiões, crenças e credos. Aliás, espantem-se os mais críticos, até agnósticos e ateus podem participar nestes encontros. A ninguém é pedido o “passaporte de religião” à entrada, todos são benvindos e todos, vos garanto, são muito bem acolhidos! Por isso, acalmem-se lá, todos vós que gostais de lançar as garras sempre que tendes conhecimento de qualquer iniciativa da ICAR, porque desta vez não há razões para criticar: o Encontro Europeu de Jovens é mesmo ecuménico e, nesse sentido, é verdadeiramente cristão, porque não segrega, porque a todos chama e a todos acolhe!
E, esclareça-se ainda mais: o Encontro Europeu de Jovens não é nenhum filho bastardo da ONU, no final do Encontro não vai ser assinado nenhum Acordo ou Declaração Universal de Paz e muito menos se calarão as armas que por aí andam a matar … E, no entanto, o Mundo estará mais pacífico no dia 1 de Janeiro!
É que, por muito que custe a perceber a quem vê nos jovens que se deslocaram milhares de quilómetros até Lisboa meros turistas de fim de ano, a Paz no Mundo não se faz só ao nível dos Governos dos Países, não é uma missão que pesa apenas sobre as costas de Bush ou Annan, a Paz no Mundo é também, e sobretudo, a Paz em cada um dos nossos pequenos mundos, nas nossas casas, nas nossas famílias, entre os nossos amigos e inimigos… é, acima de tudo, isso que os 50 mil jovens vêm buscar a Lisboa: força para conseguirem que, ao menos à sua volta, a Paz floresça. E isto não tem nada a ver com o Deus em que acreditamos, com a forma como rezamos ou com as pessoas que amamos, tem a ver com a necessidade que todos sentimos de, em determinado momento das nossas vidas, pararmos a azáfama do quotidiano e procurarmos descobrir caminhos novos para ancestrais anseios.
A quem não consegue compreender o que move estes jovens, a quem, sendo jovem, se fecha na crueldade de palavras gastas, sátiras balofas e críticas usadas noutras lutas, para não ser confrontado com a evidência da diferença deste Encontro, apenas lamento a falta de espiritualidade… Valha-lhes o “corpus” para alimentar os dias… e as bem-aventuranças!
Eu, pela parte que me toca, consolo as férias que não tive e não me deixaram participar neste Encontro, com a memória daquela noite passada sob o luar e com os acordes que andam sempre por aqui a sussurrar: “nada te turbe…”
Marriage is love. |