sexta-feira, 23 de dezembro de 2005
Histórias de um Natal moderno
Saltamos das secretárias e lá nos lançamos nos beijos e nos abraços que tanto dizem. A um canto da sala, o mais pacato de todos nós sorri também com a timidez e a bondade que tão bem lhe conhecemos.
Não é preciso olhar-lhe fundo nos olhos para lhe adivinhar o tamanho da tristeza que tanto tenta calar.
Os médicos disseram-lhe que não chegava ao Natal. Todos nós - ele incluído - sabemos que só um milagre permitirá que este não seja o último. Por azar das ironias a mulher vai passar a noite de Natal a trabalhar. A ceia de Natal, tradicionalmente partilhada com o irmão, a cunhada, os dois sobrinhos, a mãe, a mulher e a filha única, será celebrado apenas com a menina de três anos que herdou dele todas as feições, amputado que foi, o resto da família num acidente automóvel há menos de um mês. A mesa não será sequer farta, por força da redução de salário com que foi "premiado" a meio do ano.
... Nunca consigo evitar o nó na garganta quando me aproximo dele:
- Então, já comprou as prendas todas para a sua filhota?
- Já! Este ano tem duas, como a minha mulher não está não tivemos que comprar o bacalhau, assim sempre dá para lhe oferecer a boneca que pediu. Vai ficar tolinha quando vir!
- Ai sim? Que bom! Então e a outra prenda, qual é?
- Uma fotografia minha, para nunca se esquecer do pai... e sorri, com o ar de quem anuncia o melhor presente do Mundo...
Não sei sequer se consegui retribuir-lhe o sorriso. Agarrei-lhe o braço, num abraço tímido e devo ter sussurrado enquanto lhe dava dois beijos: Um Feliz Natal!... Virei costas e fugi dali...
E foi tristeza e alegria a chuva que veio depois: tristeza pela impotência de não poder reproduzir em todos os lares a abundância que se encontra, neste momento, debaixo do pinheiro em minha casa e a alegria de recordar, nas vésperas de Natal, o privilégio que é cada momento que podemos partilhar com as pessoas que fazem o nosso Natal!
Marriage is love. |