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segunda-feira, 24 de outubro de 2005

A verdade da mentira 

A maior parte das vezes acontecia tão irreflectidamente como quando ia ao médico e ele me batia com o martelinho no joelho: quando dava por mim a história já ia muuuuuuuito mais longa do que os factos todos certinhos da realidade.
Lembro-me até de uma das primeiras vezes em que isso aconteceu: teria talvez os meus seis ou sete anos, escola primária acabadinha de começar e um desejo enorme de fazer tudo bem e ser sempre muito certinha: fazer os deveres, saber responder às perguntas da professora e, obviamente, nunca chegar atrasada... E nunca chegava! Até ao dia em que a minha mãe saiu de casa e deixou as chaves do carro e da casa dentro da carteira, dentro do armário, precisamente dentro de casa (nunca viram um armário na rua, pois não?). Lá tivemos que ir as duas, mãos dadas e mochila às costas, subir a rua até casa da minha avó para buscar a segunda chave (há sempre uma segunda chave em casa de todas as avós, não há?) e abrir a porta de casa, do armário e a carteira e retirar de lá as duas chaves esquecidas. A história foi tão só e simplesmente esta, sem mais, mas deu direito a chegar uma hora atrasada à escola e direito também a que desse por mim a contar aos meus colegas uma história alucinante que metia bombeiros e polícia e tudo aquilo que a (muita) imaginação de uma criança de seis ou sete anos consegue criar.

Não me perguntem as intenções que estavam por trás destes pontos todos acrescentados aos contos que ia partilhando, não sei como explicar, sei que era mais forte que eu: quando dava por mim já ali estava a contar muito mais do que efectivamente tinha acontecido, sem intenção nenhuma de coisíssima nenhuma, sem propósito consciente nenhum de enganar ninguém!

Mentir, mentir, mentirEscusado será dizer que quanto mais palavras aprendia, maiores e mais rebuscadas se tornavam as histórias acrescentadas. E depois havia sempre o fenómeno "pescadinha de rabo na boca": uma vez acrescentada a história, não podia deixar que as pessoas percebessem que aquilo não era verdade e, por isso, lá ia acrescentando mais pontos e mais e mais, até me aperceber que grande parte das conversas que tinha com as pessoas eram baseadas em factos pouco verdadeiros e que grande parte do que fazia passar da minha personalidade não existia. Resumindo, concluindo e em bom português: tornei-me uma mentirosa compulsiva!
E de tal modo compulsiva que, quando tomei consciência de que mentia por mentir, sem qualquer objectivo específico comecei a tentar lutar contra tamanha compulsividade! Foi uma fase hilariante da minha vida, em que as pessoas com quem falava deviam achar que eu era tolinha: "então viste o filme de ontem na televisão?" (um filme sobre o qual ouvira dois amigos acabarem de falar): "Ah vi, espectacular, o fim é que não estava bem construído e... ah espera, estás a falar do filme de ontem na televisão?" "Sim!!!!", "Ah, não vi não, deitei-me cedo!" e coisas do género!
É estranho quando nos apercebemos que não somos tão especiais como nos julgamos ser e que, lá no fundo, no fundo, temos tantos ou mais defeitos do que o mais comum dos mortais. Foi o que me aconteceu, nesses tempos em que percebi que tinha muito pouco controlo sobre as histórias que inventava... e mais, que as inventava com tamanhos preciosismos que ninguém... quase ninguém... ainda hoje percebe quando estou a mentir!
Bem, mas com persistência e muito trabalho psicológico da miúda do costume, a coisa lá foi ao sítio e tornei-me numa pessoa verdadeira... não 100% sincera reconheço (filosofia de vida a acreditar que, se a mentira nunca é aceitável, a dor da verdade toda nem sempre se justifica!)... mas verdadeira de tal modo que, hoje, até as mentiras que a penumbra de que falo ali em cima (na descriçaõ deste blog) me impõe me pesam na consciência e se tornam um fardo cada vez menos suportável... verdadeira de tal modo que, qual ex-fumadora em face do fumo de cigarro alheio, não só não suporto sentir que me estão a mentir, a enganar, a seja lá o que for que não seja o máximo de honestidade, como detecto o aroma da mentira a quilómetros de distância!...

... E isto tudo a propósito de quê?... Isto tudo porque não queria deixar de partilhar convosco a alegria que senti ao saber que até para a mentira há uma justificação científica e que, afinal de contas, aquelas mentiras compulsivas todas não eram o resultado de uma mente rebuscadamente sinuosa e tenebrosa, mas tão só e simplesmente, uma questão de clareza: muito provavelmente a minha "massa cinzenta" é mais branca do que a do comum dos mortais!

E assim está explicado mais um fenómeno da mente de uma das Mentes! E vocês, que defeitos tortuosos têm para nos contar?! E que tipo de defeitos não conseguem suportar?!

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