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sábado, 6 de agosto de 2005

Nevoeiro 

Há quem lhe chame a inevitabilidade da vida, há quem lhe chame o eterno retorno, há quem lhe chame quinhentas outras coisas diferentes… Tudo para justificar esta evidência de que, ano após ano, há histórias que nunca deixam de repetir-se. Histórias como esta, da D. Maria, que há dois anos atrás viu o trabalho da sua vida desmoronado em cinzas, consumido por um fogo insaciável… histórias que, por esta altura, se vão desfiando nos telejornais da noite, sempre com o mesmo cenário dramático como pano de fundo, histórias sempre iguais...
Ou melhor, quase sempre iguais!... Antigamente, histórias como as da D. Maria eram histórias vindas de um Portugal profundo, de aldeias remotas deste país, tão cercadas de mato por todos os lados que dificilmente teríamos conhecimento da sua existência, não fossem as notícias que nos invadiam a noite vindas da televisão... Era em Portugal mas podia ser no Iraque. Nós, portugueses citadinos, habitantes das cidades “evoluídas” deste país, em nada nos víamos atingidos por esses fogos, nada nos perturbavam essas cinzas... nada mais, claro, do que a normal comiseração que se sente por todos aqueles que se vêem atingidos por catástrofes naturais... Coitadinhos, que é sempre gente tão pobre e de tão longe, graças a Deus que estamos aqui a salvo no Portugal civilizado... e toca a mudar de canal e preocupação, na pior das hipóteses tínhamos que fechar a janela por causa do distante aroma a incêndio que andava no ar...
Mas este ano é diferente... Este ano, consumido o Portugal interior, os incêndios invadem-nos as cidades. O Porto, nos últimos dias, transformou-se. Uma nuvem densa de fumo instalou-se no coração da cidade e ficou por ali, Aliados abaixo, segunda Avenida mais central do País, como se anunciasse a noite às dez da manhã ou às duas da tarde... Respirar na rua tornou-se um exercício ainda mais radical do que já o é ao longo do ano, tanto era o fumo que nos invadia os pulmões com as pequenas lufadas de oxigénio que conseguíamos absorver... Por entre as nuvens negras choviam as faúlhas ainda quentes de um fogo impossível de ignorar.
...Este ano não é preciso esperar pela noite e pelos telejornais para saber que o país arde... Este ano a noite invadiu as cidades, o Portugal civilizado, ali aonde não é suposto sentir o peso dos incêndios, quanto mais não seja porque as únicas florestas que existem para arder são as florestas de prédios encavalitados uns nos outros.
E que pesados são estes fumos!...
Pesam pelo sufoco irrespirável que não conseguimos evitar, pesam, evidentemente, pelo drama de famílias (algumas tão próximas!) que ficaram sem casa e sem sustento... mas pesam, sobretudo, pela atitude dos homens que teoricamente governam este país!

Sou por natureza calma e optimista, mas confesso que não consigo deixar de sentir uma irritação e um pessimismo atrozes quando vejo e leio as declarações do Ministro António Costa: que está tudo bem, que estão a ser reunidas todas as forças para combater as chamas e que vão começar campanhas para prevenir os incêndios.
Para prevenir?!... Amiguinhos, será que não percebem que em tempo de guerra não se limpam armas?! Será que não se aperceberam que não dá para prevenir coisas que JÁ aconteceram! Que ESTÃO a acontecer! Será que não sabem que os danos não se podem prevenir depois de já estarem provocados!...
...
Esta história faz-me lembrar a da campanha de poupança de água que vai começar agora! Agora que Portugal está em seca extrema!... Campanha que vai ser igual àquela que vai ser promovida junto dos empregadores nacionais quando dois terços dos portugueses estiverem desempregados por causa da transferência das fábricas para os Países de Leste... Campanha igual à da promoção da poupança quando Portugal inteiro estiver falido... Campanha igual à da promoção do próprio País quando, finalmente, alguém com frontalidade, tiver coragem de anunciar o inevitável: a banca rota!

Irrita-me este país! Irrita-me este amadorismo contínuo!
Caramba, não sabem que para evitar os incêndios é preciso limpar as matas? Não, não é preciso um General, um Comandante, um Capitão, um Tenente e um Sub-Tenente das Florestas, nem leis nem decretos-leis com muitos artigos! É preciso tão só e simplesmente, que as matas sejam limpas e vigiadas, de modo eficaz e bem planeado!
E não sabem que quando os incêndios acontecem, são precisos bombeiros? Bombeiros a sério, não aqueles desgraçados dos homens de boa vontade que tentam conciliar o horário no emprego com a frente de combate às chamas, e a quem muito há a agradecer mas sem muito mais se poder exigir? Será transcendental perceber que Portugal precisa de uma força nacional de Bombeiros profissionais, verdadeiramente especializados no combate às chamas, com escalas bem articuladas e planos de actuação ensaiados ao milímetro?
E finalmente... é preciso perceber que quando não temos nada disto e Portugal arde completamente, não se pode dizer, com a maior calma do Mundo: “estão a ser utilizados todos os esforços e vamos lançar campanhas de prevenção”! Não há calma possível quando o País arde assim! É preciso admitir que a situação fugiu do controlo e que, neste momento, cada português está entregue à sua sorte… e já não falo só do fogo, falo também da água que para vinte e seis mil portugueses já secou nas torneiras… falo também do dinheiro que já não existe nos cofres do Estado… falo de um país que assiste calmamente à sua queda, à espera que o golpe final venha determinar o momento certo para o lançamento da campanha de prevenção contra quedas de países!

E depois ainda se admiram que eu passe a vida a citá-lo: "Ó Portugal, hoje és nevoeiro"!

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