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domingo, 13 de junho de 2004

"O Voto em Branco e a Abstenção" ou "O Mito da Verdade Absoluta" 


Este post aparece aqui na sequência do que fui lendo e escrevendo em blogs de amigos (não foi nisso que a blogaysfera e a blogosfera nos tranformaram já?), acerca das eleições que decorreram hoje. A minha primeira discordância foi com a Sara. Defendia ela, aqui, recorrendo às metáforas futebolísticas, o dever cívico de votar. Seguiu-se o Boss, a quem o facto de ser tripeiro só engrandece [;)], que escreveu este post sobre a temática. Porque penso que o que reflecti e escrevi não deve ficar disperso num sistema de comentários e porque julgo que o assunto merece um pouco mais de sistematização, segue-se este texto.


O direito ao voto é, segundo a disposição da Constituição da República Portuguesa, um direito de participação política. Regula assim o artigo 49.º, n.º 1 - Têm direito de sufrágio todos os cidadãos maiores de dezoito anos, ressalvadas as incapacidades previstas na lei geral. E o n.º 2 - O exercício do direito de sufrágio é pessoal e constitui um dever cívico. Este artigo, portanto, caracteriza o direito ao voto como tendo duas dimensões: é, simultaneamente, um direito e um dever - um direito de participação e um dever cívico. Quer isto dizer, sem mais delongas, que todos podem votar, mas só vota quem quer.

Isto a propósito da elevada abstenção que se verificou em todos os países da U.E., mesmo nos que recentemente a ela aderiram. Chegada a hora da verdade, todos pretendem analisar os seus efeitos e as mensagens subliminares que possa conter. Mas que o cenário seria este, já ninguém duvidava. Seguem-se, vindas de todos os quadrantes, as mais diversas explicações e considerações acerca da abstenção. E quanto a isto, gostaria de deixar aqui escritas algumas ideias.

Naquilo que fui lendo nas minhas andanças blogueiras, uma coisa me desgostou - o facto de os mais empenhados nestas coisas do voto criticarem os menos empenhados.

A meu ver, ninguém deve ser escravo da democracia - o voto é um dever, mas apenas cívico. Se as pessoas não se identificam com os candidatos, com as suas ideias (quando as têm, claro...), com a sua forma de estar na e fazer política, porque diabo hão-de ser forçados a mudar de opinião só para combater a abstenção? Será preferível que os portugueses votem sem convicção (votar só para cumprir o dever) ou que, simplesmente, não votem e sejam honestos com a sua consciência política? Quais os resultados mais verdadeiros, os da primeira, ou os da segunda hipótese?

A questão da abstenção não favorece nenhum partido político, mas também não prejudica apenas este ou aquele. Os efeitos da abstenção terão reflexo em todos os partidos políticos. A estes cabe, agora, olhar para dentro e procurar perceber por que razão não conseguem cativar o interesse dos eleitores; porque razão, a cada eleição que passa, há menos votantes; por que razão, a cada dia que passa, os portugueses se desinteressam mais deles, mas não do seu país...

Porém, o entender do Tiago, entre outros, é diferente do meu. Para ele, o meu raciocínio sobre a cidadania e o dever cívico de votar cai num erro de julgamento. Dizia-me, num comentário no Cacaoccino: o facto é que, se os portugueses não se reveêm nos políticos, no sistema, devem na mesma ir votar. Se acham isso, votem - em branco. Tem, para mim, muito mais valor do que pura e simplesmente não ir votar e dar a entender que se esteve na praia, porque se prefere que outros decidam por nós. O Saramago já defende o mesmo. Mas eu já digo isto há alguns anos.

Daqui, parto para um conclusão: nem o Tiago, nem eu temos verdades absolutas. Haverá apenas uma forma de os portugueses demostrarem que não se revêem nos políticos e no sistema? Seremos nós forçados a escolher o voto em branco ou a abstenção?

O decidir não exercer o direito de voto não significa, de todo, desprezo pela democracia! Muito pelo contrário. Só uma visão redutora da questão tem para si que a democracia se limita ao exercício desse direito. Estar comprometido com a democracia é muito mais do que isso - é questionar, é ter sentido crítico, é ter vontade e fazer algo para mudar, é ter planos para um futuro político e social melhor, é exigir rigor e transparência, é, no fundo, viver o dia-a-dia com consciência política e ter noção do que é o interesse público.

Se todas estas facetas se concentrarem apenas no direito de voto, não será difícil deduzir que só tem "autoridade", digamos assim, para ter uma voz politicamente crítica quem vota. Mas não é assim que eu vejo as coisas. Creio que essa "autoridade" advém do facto de eu ser portuguesa, pagar impostos e ter o estatuto de cidadã deste país. Não há cidadãos de 1.ª (os que votam) e de 2.ª (os que não o fazem). Mal de nós se um dia assim for! Ninguém está melhor posicionado do que ninguém para exigir seja o que for, seja de quem for. Enquanto cidadã, tenho o direito de exigir de todos os partidos políticos, enquanto tais, o melhor serviço público que possam prestar a este país. Se concordo ou não com o que me oferecem, dir-lhes-ei nas urnas. O voto será, sempre, a última palavra a dizer, mas nunca a única.

A democracia revestiu-nos a todos com uma série de direitos e deveres - entre eles, o direito de votar (ou não) e o direito de exigir rigor, transparência, dignidade e objectividade na vida política deste país. Todos os portugueses deviam exigir mais de quem rege os destinos do seu país - quer tenham votado ou não naquele governo. É que convém ter em conta que as cadeiras do governo, da Assembleia da República e dos deputados ao Parlamento Europeu são de todos os portugueses, e não apenas de quem vota ou de quem nelas se senta.

Parece-me errado o entendimento que vê na abstenção a passividade, em vez da oposição. Parece-me errado que se defenda, em caso de desilusão com o sistema, o voto em branco ou o voto nulo, em vez da abstenção. É que contrariamente aquilo que possa pensar-se, os dados analisados são os da abstenção, e não os dos votos em branco ou nulos. Alguém ouviu, durante a cobertura dos resultados eleitorais, única referência que fosse aos votos nessas circunstâncias? Mas, no entanto, todos os partidos se referiram ao elevado número de abstencionistas... não será sintomático de algo? Pela minha parte, creio que sim, mas como afirmo no título deste post, não há verdades absolutas, e muito menos quero arrogar-me no papel de seu arauto...


Duas notas finais:

1. Apesar de ser esta a minha perspectiva, porque uma coisa não é incompatível com a outra, votei nestas eleições, como sempre fiz, em todas as eleições e referendos realizados desde que completei 18 anos. Penso que isso se depreende do que afirmei quanto ao meu entendimento do que é a democracia. O que eu não faço, e não farei, é tecer juízos de valor negativos em relação a quem não vota. Afinal, as razões para que alguém o decida fazer parecem-me tão óbvias, que não me resta outra atitude sensata senão respeitar a opinião dos abstencionistas e reconhecer-lhe um fundo de razão...

2. Este post é apenas uma súmula de algumas das minhas convicções. Não é, nem pretende ser, uma apologia da abstenção.


Que o voto é uma arma, ninguém duvida. Mas sempre se tem provado que a abstenção não deixa de o ser, depende é da vontade de o perceber. Para todos os que estiverem dispostos a isso, a cruz não é a única via da salvação...


Ite, missa est

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