.comment-link {margin-left:.6em;} <$BlogRSDUrl$>

sexta-feira, 9 de abril de 2004

Infelicidades 

Daniel SampaioTeria a maior dificuldade em ter um filho homossexual. Não faz parte do projecto de um Pai!" - por Daniel Sampaio, in Reportagem da Sic "A verdade escondida">
Era inevitável, mais cedo ou mais tarde ia acontecer:

- O que eu queria ler era o último livro do Daniel Sampaio.
- Ah, já saiu um livro novo dele?
- pronto, sempre tive queda para o teatro, o que querem?
- Chama-se
"Vagabundos de Nós", até já fizeram uma peça de teatro com base nele e tudo!
- Mmm. E é sobre o quê? - o coração aos saltos, a pensar que chegara finalmente o dia em que a minha mãe iria romper o silêncio que nenhuma das duas tivera até então coragem de quebrar e confrontar-me.
- Não sei, mas se é do Daniel Sampaio, é bom de certeza!


em tempos vos falei do papel que o Daniel Sampaio teve na minha adolescência. Falei-vos, na altura, de como, durante muito tempo, pensei "de mim para comim comigo", como tudo seria bem mais fácil se essa referência que partilhava com a minha mãe um dia escrevesse um livro sobre homossexualidade. O dia chegou, e com ele a desilusão, que, bem ou mal, lá tentei retratar no post em questão…

Nunca falei do livro à minha mãe… Sabia que mais cedo ou mais tarde o descobriria… E agora, eis-me aqui no dilema de oferecer ou não oferecer. Se não oferecer ela achará estranho, porque fui eu que lhe ofereci, um após outro, todos os livros deste psiquiatra mediático; mas se lho oferecer ver-me-ei forçada a comentar um tema que ainda não estou preparada para comentar com a minha mãe (ok amiguinhos anti-vitimização, lancem lá mão das vossas melhores críticas!)…

Bem, mas não foi esta dúvida existencial que me levou a escrever este post. O facto é que, ofereça ou não ofereça eu o famigerado livro, a minha mãe acabará por lê-lo. E, porque as palavras do dito senhor são lei na cabeça da minha mãezinha, a dor e tristeza que sentirá no dia em que confirmar aquilo que ela já sabe (porque, como diria a minha querida sogra, "as mães andaram com os filhos nove meses dentro delas, por isso, conhecem-nos melhor do que eles próprios") serão multiplicadas ao infinito na identificação com o drama daquela mulher que, azar dos azares, teve um filho homossexual!...

Sim, que não haja ilusões, o livro do Daniel Sampaio é um livro sobre a mãe de um homossexual e não o contrário. Assim como a intervenção do Sr. Dr. na reportagem da Sic foi um comentário da perspectiva de quem é pai e não do objecto da reportagem em questão: os jovens homossexuais!

Mas se é assim, que se esclareça em tal sentido. Que não diga o Dr. Daniel Sampaio que o livro é sobre homossexualidade, ou que não associem os jornalistas as suas frases a reportagens onde o que se pretende é retratar os jovens homossexuais!

A questão poderá parecer de somenos importância e até mesquinha, ao comum dos mortais. Mas não pode passar, de modo algum, despercebida a quem, como o Dr. Daniel Sampaio, tem uma influência notória sobre tantos pais e mães de jovens homossexuais! Porque, os pais e mães deste país, pelo menos os pais da classe média portuguesa, que não sabem (nem têm que saber) avaliar tecnicamente os psiquiatras nacionais, mas que se preocupam com os seus filhos e tentam percebê-los… (pronto e porque tenho uma alergia crónica a generalizações, vou reduzir isto à minha realidade) pelo menos os pais da minha cidade, com filhos da minha geração, viram os seus filhos crescer a ler o Daniel Sampaio e tentaram aplicar neles as técnicas ensinadas nos seus livros… Para estes pais, as palavras do Daniel Sampaio ficam a ecoar nas suas cabeças até se transformarem quase em dogmas (não, não estou a exagerar!)

… E é por tudo isto que, sendo verdadeira, a frase do Dr. Daniel Sampaio, foi irresponsável e nunca deveria ter sido pronunciada nos moldes em que o foi!
Sim, porque é inegável, incontornável, quase La Palissiano, que "não está no projecto de um pai ter um filho homossexual". Não está, em abstracto não está, é verdade! Se me perguntarem hoje se eu quero que o meu filho seja homossexual, eu digo que não, não quero, porque quero que o meu filho seja o mais feliz possível e, quer queiramos quer não, esta história da homossexualidade ainda nos traz muitas amarguras de boca, senão não estaríamos aqui (vitimização take dois, tomem nota ó queridos-de-bem-com-a-vida!). Mas também não quero que seja estrábico, nem canhoto, nem que tenha os dentes tortos, e quero que tenha uns caracóis lindos como os da Mente… e que… ah, já agora que venha com um botão de desligar o choro e a birrice, que as crianças são muito queridas, mas às vezes dá-lhes cada ataque!...

… O projecto, obviamente, tal como o sonho, é o espaço para a todas as idealizações, é o sitio onde o perfeito existe e onde o limite é apenas a imaginação de cada um…
No entanto, não é conhecido nenhum caso em que a realidade não tenha surpreendido os projectos. Nem mesmo os não metafóricos, aqueles elaborados pelos melhores arquitectos e engenheiros e técnicos, tudo a projectar o edifício perfeito, a grande obra do país, erigida a oitava maravilha do mundo, ainda quando em papel… E depois o terreno afinal cede, ou vem uma chuvada e os materiais estragam-se ou (não raras vezes) o terreno revela-se demasiado pequeno para o projecto…
Compete então, a quem sabe, usar das suas melhores técnicas para adaptar o projecto à realidade, para torná-lo concretizável, mantendo as suas linhas básicas, obviamente, mas acertando daqui e dali, para que no fim o edifício seja um edifício sólido e agradável à vista…

Nos projectos dos pais, mutatis mutandis, é a mesma coisa. Obviamente, em papel, todos os pais projectam os filhos perfeitos. Mas, uma vez concebidos, à excepção de uma tal de Maria (e mesmo quanto a essa, cheira-me que houve ali uma mãozita divina… suposições!), não há memória de nenhum pai ter criado um filho perfeito! E o que devem os psiquiatras dizer então face a isto? Que não está no projecto de um pai ter um filho diferente daquilo que o pai projectou?!!!

Reconheço que não sei nada de psiquiatria, não conheço uma única teoria, técnica ou procedimento de tratamento… Simplesmente o meu bom senso diz-me que um psiquiatra é uma pessoa que tenta resolver as patologias do foro psiquiátrico de que padecem as pessoas que a eles recorrem.
Ora, graças a Deus, longe vão os tempos em que a homossexualidade, ela mesma era considerada uma patologia. Ultrapassada que está essa questão, aos psiquiatras caberá ajudar os homossexuais e os pais de homossexuais para quem a homossexualidade se transforma, por uma razão ou outra num fardo difícil de carregar, ou porque as próprias pessoas não saibam como lidar com ela, ou porque simplesmente não conseguem suportar o que a sociedade lhes faz por causa dela.
E tudo isto só pode levar-nos a concluir que os psiquiatras existem para ajudar as pessoas a "dar a volta", a perceberem que a homossexualidade não é um drama, nem uma tragédia, nem uma sombra de desgraça a cair sobre as famílias é, pelo contrário, algo de muito bonito e positivo: um amor a lutar por sobreviver, apesar de tudo o que tenta calá-lo e oprimi-lo!
É esse, só pode ser esse o papel de um psiquiatra. Nenhuma pessoa procura um psiquiatra para encontrar um interlocutor que a acompanhe nas suas mágoas, para isso há os amigos, os conhecidos e as telenovelas! O psiquiatra existe para tratar, ajudar a compreender e a lidar com sentimentos para os quais as pessoas não estão preparadas!

Por tudo o que fica dito, um psiquiatra, enquanto tal, não pode vir a público dizer que, sim senhor, que esses sentimentos são os correctos e que as pessoas fazem muito bem em sentir-se mal! O psiquiatra, enquanto tal, tem que medir o peso de cada uma das suas palavras, para que não estrague numa frase o que andou a tentar conquistar durante incontáveis consultas!

Ninguém duvida que o Dr. Daniel Sampaio só foi entrevistado pela Sic, no âmbito daquela reportagem, por ser psiquiatra. Se a jornalista tivesse querido conhecer os medos dos pais portugueses, tinha ido fazer perguntas para o meio da rua, não tinha ido incomodar o insigne doutor! E era enquanto psiquiatra que deveria ter respondido a todas as questões! Do pouco que conheço do Dr. Daniel Sampaio enquanto pessoa, acredito que a intenção que ia naquela frase era, indubitavelmente, boa. Mas de boas intenções está o inferno cheio e a frase foi irresponsavelmente infeliz, há que salientá-lo, quinhentas vezes, se preciso for! Com dureza e sem rodeios! É preciso que as pessoas com responsabilidade e visibilidade se habituem a medir as palavras quando falam deste tema! É preciso que pessoas como o Dr. Daniel Sampaio se consciencializem do peso negativo que pequenas frases infelizes como aquela podem ter na de tantos homossexuais!...

… Bem, e como isto anda, vou mas é à livraria ver se compra o livro do Saramago para entreter a minha mãe por mais uns dias! Ao menos o "Ensaio sobre a Lucidez" sempre e assumidamente ficção!

Ah, só mais uma nota para dizer que é sempre uma lufada de ar fresco ouvir-te, Sarita, a falar sobre estes assuntos!
Afinal são duas notas, a segunda para dar os parabéns a todos os corajosos que ousaram contar a sua história! Que reportagens como esta (ou melhores!) se repitam até que todos os entrevistados possam dar a cara sem medo de consequências negativas!


Comentários: Enviar um comentário


Somos altos, baixos, magros, gordinhos, extrovertidos, introvertidos, religiosos, ateus, conservadores, liberais, ricos, pobres, famosos, comuns, brancos, negros... Só uma diferença : amamos pessoas do mesmo sexo. Campanha Digital contra o Preconceito a Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros. O Respeito ao Próximo em Primeiro Lugar. Copyright: v.


      
Marriage is love.


This page is powered by Blogger. Isn't yours?

referer referrer referers referrers http_referer