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domingo, 1 de fevereiro de 2004

Pensamentos em torno de uma mulher bonita... 


Ainda que apressada, como sempre, corredor fora, de olhos no infinito e pensamento mergulhado no processo que levava debaixo do braço, seria hipócrita se dissesse que não reparei nela! Reparei, como qualquer ser humano com a mais elementar sensibilidade estética repararia…

Deixarmos que o nosso espírito acorde, por breves instantes, da absorção do dia-a-dia, para ser atravessado pela surpresa de uma mulher bonita tem, quanto a mim, muito mais de estético do que de lésbico – porque a obra de arte é apreciada muito antes de se transformar em objecto de desejo, ou mesmo sem que tal transformação se opere obrigatoriamente… mas isso daria mais não sei quantas linhas, que agora não vêm ao caso!

Por momentos, verdadeiros milésimos de segundo, o processo deixou de ser assim tão importante, o prazo tão apertado e a questão tão complexa, para o pensamento ser invadido pela imagem daquela mulher alta, imponente, cabelos longos e pose estudada… “Deve ser modelo”, lembro-me de ter pensado, enquanto me cruzava com ela e lhe sorria um “boa tarde” genuíno, sem todavia lhe fixar as feições…
De novo o prazo me invadiu o pensamento… e a mulher bonita, lufada de ar fresco, ter-se-ia varrido totalmente da minha memória, como tantas outras obras de arte com as quais já tive o privilégio de me cruzar por breves instantes, não fora ter acontecido o que se seguiu.



A minha colega entrou esbaforida, porta dentro, vermelha como se tivesse visto o diabo, ele próprio, e com risos histéricos como se tivesse ganho o Totoloto: “Meninos, está ali um travesti!!!!” “Vá meninos, vão lá ver o travesti!”…
E os meninos (e meninas) lá foram, todos juntos, com risinhos histéricos, nervosos e imbecis, ver o travesti ao corredor, como quem vai ver os cavalinhos ao circo…

Confesso que também a mim me apeteceu levantar da cadeira e ir ter com a mulher com quem me cruzara… Não para passar por ela com os risinhos abafados e ridículos que saíam dos meus colegas, mas para me apresentar e dizer-lhe, com um sorriso cúmplice: “Perdoai-lhe, Senhora, que não sabem o que fazem!!!”…
Escusado será dizer que fiquei presa na cadeira sem me mexer, à espera que terminasse aquela chacota geral… Escusado será também dizer que, pelo que me contaram mais tarde alguns colegas desocupados que encontraram ali assunto para a tarde toda, a mulher bonita, revelou-se também uma grande Senhora: ignorou todos os risos e bocas declaradas, tratou do seu assunto com toda a seriedade e lá foi embora à sua vida… Muito provavelmente deixando, por onde passava um rasto de comentários aos quais, penso eu, do cimo da minha ingenuidade, já estará imune!...

O episódio mexeu comigo, confesso. Estou habituada a pensar a questão LGBT, acima de tudo, de uma perspectiva homossexual. E, reconhecidamente por umbiguismo crónico, não me tenho sequer preocupado em querer conhecer muito sobre a “última” consoante da designação.
Só esta semana, depois deste episódio infeliz, dei por mim a pensar no quão mais complicada deve ser a vida de um transgénero do que a de um homossexual… É que a nossa homossexualidade não está escrita na cara, não nos denuncia pela voz nem pelo tamanho das mãos… Mantenhamos nós o recato e dificilmente seremos perturbados com pessoas na rua, constantemente a sussurrarem por onde passamos ou a não conterem o riso e a curiosidade quando lhes dirigimos as palavras…

Já com os trangéneros as coisas serão bem mais complicadas… E dou por mim a nem sequer conseguir imaginar o que será movimentarmo-nos num corpo que não sentimos como nosso, a ter que lutar por uma operação que nos devolva a identidade e, no fim, quando finalmente nos re-encontramos no espelho ter que continuar a levar com comentários mesquinhos de pessoas que tornam risível tudo o que vai para além da sua triste monotonia...

Foi assim, com um respeito acrescido por tod@s aquel@s que simplesmente nascem com o corpo trocado que, a navegar por aqui, fui dar ao blog da Lara, uma mulher interessante, inteligente e divertida, que, entre quinhentas outras peripécias que, com certeza, já passou na sua vida, um dia teve que fazer uma operação para se sentir melhor consigo própria e poder finalmente dar corpo à sua alma de mulher!

… E trago comigo o gosto amargo do silêncio perante aqueles risos incontidos de quem simplesmente ignora em absoluto o significado da palavra respeito!

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