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terça-feira, 19 de agosto de 2003

Tenho um camião à minha porta! 


Não, infelizmente não moro com a Mente Assumida, nem sequer vivemos na mesma rua, nem na mesma cidade... Mas isso são desencontros que (queira Deus, a vida e a sociedade) conseguiremos superar... O camião que tenho à minha porta é diferente do carro que lhe impediu o acesso no outro dia (para os mais distraídos, refiro-me ao post do dia 16 de Agosto): ocupa mais espaço, não é susceptível de multa, não há notícias de que algum dia tenha sido rebocado e, pior, não me parece que o seu condutor venha buscá-lo tão cedo... Em suma, incomoda muito mais! A matrícula?... Igreja Católica!

Pois é, a Igreja à qual assumidamente pertenço, com a qual assumidamente colaboro e em cujos princípi-os, por uma questão de fé e cultura (por esta mesma ordem) me revejo, andou a fazer das suas! Desta vez, pelas mãos do Cardeal Ratzinger!...
Só hoje tive possibilidade de ler pausada e atentamente o documento que escreveu sob o título Considerações sobre os projectos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais. E se é verdade que a ideia geral (a atitude da Igreja perante a homossexualidade) não me surpreendeu, confesso que os argumentos esgrimidos, e mais do que isso, os termos e modos utilizados conseguiram deixar-me atónita.

Sim, é verdade que sei, desde sempre, que a homossexualidade é pecado, um pecado contra a natureza, que chega mesmo a ser mortal. Tenho consciência disso e respeito-o, enquanto católica; tanto que, convicta de que as regras das instituições são para ser cumpridas por quem delas se diz fazer parte, não comungo desde o dia em que iniciei a única relação da minha vida (até agora e... para sempre, quero crer!)... já lá vão mais de dois anos!
Sei-o e posso até respeitá-lo, no entanto, o que não posso compreender, respeitar ou sequer ADMITIR, é que a Igreja, extravasando completamente do papel que lhe é dado a desempenhar, se venha imiscuir no poder político e lançar directrizes aos políticos católicos, mobilizando argumentos que, não fossem provenientes da instituição sagrada que tanto admiro e prezo, me mereceriam o epíteto de retrógradas, ignorantes e sem sentido!

Sim, porque digam-me, só para citar um exemplo, onde está o sentido da afirmação de que os actos homossexuais(...) não são fruto de uma verdadeira complementaridade afectiva e sexual?
Bem, quanto à complementaridade sexual cada um fale de si... Eu por mim estou muito bem, muito obrigada! (e não fora o receio de roçar a heresia, ousaria até perguntar: E como estais vós Srs. Padres?... Que os argumentos utilizados para Vós sirvam também para Nós, meus amigos!).
Já quanto à complementaridade afectiva obviamente não vou cair em generalizações, mas do que me é dado a conhecer, posso dizer, com toda a certeza, que, pelo menos no meu círculo de conhecimentos (que não é tão pouco vasto quanto isso!) , a minha relação não é nem menos afectiva, nem menos carinhosa, nem menos terna, nem menos apaixonada, nem menos romântica, nem menos amorosa (no sentido etimológico do termo) que qualquer relação sexualmente convencional que conheça... Muito pelo contrário... Fossem todas as relações heterossexuais tão harmoniosas como a minha relação homossexual e não haveria homens nem mulheres infelizes neste mundo!...

Mas os argumentos não se ficam por aqui. O documento prossegue num rosário de afirmações, numa catadupa de argumentações racionais que não vou reproduzir porque todas elas mereceriam uma análise profunda que a manifesta falta de tempo não me permite... Não posso porém deixar de transmitir o quanto me perturba, me preocupa e me entristece este documento.
Preocupa-me pelas ideias que não são novas e sempre me preocuparam... Mas perturba-me sobretudo por esta forma medievalesco-inquisitória com que a Igreja vem exigir a todos os políticos católicos que se abstenham de legislar a favor das uniões de facto homossexuais sob pena de também eles praticarem um acto gravemente imoral !...
E isto porquê? Porque, de acordo com a própria, corremos todos o perigo de uma legislação, que faça da homossexualidade uma base para garantir direitos, poder vir de facto a encorajar uma pessoa com tendências homossexuais a declarar a sua homossexualidade ou mesmo a procurar um parceiro para tirar proveito das disposições da lei...
... Ou mesmo a procurar um parceiro para tirar proveito das disposições da lei, leram bem! E já estão todos a imaginar como seriam as técnicas de engate por todo esse mundo lgbt: a meio de uma noite num bar friendly da Capital, um gay vira-se para outro e diz: Queres vir a minha casa tomar um copo e cumprir o artigo 15º?!!!!!...

Lamento caro Cardeal, mas está errado! Não há perigo nenhum de a legislação fazer absolutamente nada! Nas leis (nessas sim!) não existe complementaridade para coisa nenhuma, nem sequer para dar à luz esses monstros que imaginou!
A lei existe apenas para servir a sociedade, ubi societas ibi ius, e não o contrário! As leis organizam o que já existe na sociedade ou então protegem aquilo que, existindo, corre o risco de ser violado e mal tratado pela massa anónima dos convencionalismos e todo o tipo de ‘fobismos alimentados ao longo de vários séculos... Não é a lei que cria os homossexuais! Acreditem ou não os Srs. da Igreja, comecei a sentir-me atraída por mulheres muito antes de conhecer as leis ou de saber dizer palavras grandes e difíceis como: lesbianismo, homossexualidade ou preconceito... Não foi nenhuma lei que mo ditou!
Não, meus Senhores, infelizmente, não é a lei que muda o mundo!

Veja-se o caso português: a lei que reconhece as uniões de facto entre homossexuais aí está! Consagrando mais ou menos direitos, sendo mais ou menos permissiva (isso já serão outras discussões) ela aí está! Efectivamente, desde 2001, existe em Portugal a possibilidade de duas pessoas do mesmo sexo se apresentarem perante a Justiça e (inerentemente) perante os Homens como um casal, unido de facto!
E vai daí? O que mudou?
Acaso passaram os homossexuais a poder chegar ao emprego atrasados e dizer ao patrão: Desculpe-me mas atrasei-me porque o meu marido/a minha mulher passou a noite com febre e hoje nem sequer pôde ir trabalhar, sem temer que o seu posto de trabalho fique em risco?
Podem agora os homossexuais levar @s companheir@s aos jantares de família sem recearem que toda a família lhes deixe de falar? Pais e irmãos, avós e tios... Às tantas vizinha de cima incluída e tudo?!!!
Porventura é possível, só porque a lei mudou, a um casal de homossexuais sentar-se numa esplanada em frente ao mar, num fim de tarde, de mãos dadas e trocar um beijo (por muito furtivo que seja) sem ser alvo imediato de olhares, comentários e impropérios esses sim bastante indignos e imorais?
Acaso, deixou este blog em que, assumidamente na penumbra, afirmo aquilo que assumidamente gostaria de poder gritar ao mundo, mas cujo eco não pode passar deste ecrãn... deixou, perguntava eu, de fazer sentido?

Não! Infelizmente a lei não muda o mundo, Sr. Cardeal! Nem sequer mentalidades! A única coisa que a lei poderá e deverá fazer é assegurar um pouco de liberdade a todos os cidadãos, para que, à margem dos preconceitos e mentalidades (como lhe quiserem chamar!), possam partilhar o seu dinheiro, a sua casa e a sua vida com quem muito bem entenderem... É isso a democracia!

É óbvio que não vou pedir à Igreja que deixe de considerar a homossexualidade pecado! Isso não está no meu poder e... ainda que muitas vezes caia na tentação de o fazer, não vou questioná-lo.
No entanto, não posso deixar de exclamar como seria tão bom que a Igreja se remetesse ao seu importante e mui digno papel de guiar o seu rebanho pelos caminhos de Cristo sem se imiscuir nos caminhos da política e das leis (Redde Caesari quae sunt Caesaris, et quae sunt Dei Deo, recordam-se meus Senhores?)! Ou então se, fazendo-o, antes de tecerem comentários e afirmações como os que são proferidos neste documento, tentassem conhecer a realidade!
Tão bom seria se a Igreja, descendo um pouco dos seus dogmas e da sua atitude intransigente, fizesse um esforço para compreender de que massa somos feitos nós, os homossexuais!
Talvez nesse dia a Igreja compreendesse o quanto são falaciosos os argumentos que utiliza para distinguir o matrimónio das uniões homossexuais!...
Talvez nesse dia a Igreja percebesse que não é impossível duas pessoas do mesmo sexo fazerem brotar da sua relação e do seu Amor filhos bem educados, bem formados e... bem amados... Ao contrário de tantos e tantos outros... Que é a miséria que a gente sabe!
Talvez nesse dia a Igreja entendesse que, pecadores ou não, também os homossexuais têm o direito a... ter os seus direitos (perdoe-se-me a redundância!)!...

Talvez nesse dia eu deixasse de ter este camião à minha porta!


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